sexta-feira, outubro 27, 2006

Outro Outono

Nesse dia cheguei tarde a casa, andava cheia de trabalho. Tinha tanta coisa para fazer que já não bastava escrever na agenda, precisava mesmo de memorizar algumas coisas. Estar constantemente a rever tudo o que tinha que fazer criava-me uma certa dificuldade em desligar ao chegar a casa. A informação toda que voava de um neurónio para outro toldava-me a fome, a sede, a vontade de fazer o jantar e de ouvir música (televisão foi coisa que nunca me atraiu).

Nesse dia lembrei-me de inventar qualquer coisa para relaxar, fui buscar um cobertor grande, puxei o sofá para trás, tirei a mesa da frente e estendi o cobertor no chão. O sofá era de facto mais confortável, mas a coisa compôs-se com uma ou duas almofadas e música muito baixinha. Deitei-me ali, a imaginar como seria se eu de facto tivesse uma lareira. Não sei quanto tempo fiquei assim, provavelmente adormeci. Despertei com o som do telemóvel, aquele bicho que tanto nos consegue fazer sorrir como cerrar os dentes com força. Confesso que demorei um certo tempo a equacionar se valia a pena levantar-me para ver o que se passava, afinal já passava da meia noite e eu estava a sentir-me tão pequenina, tão agasalhada, tão bem.

Ao fim de alguns minutos, acabei por esticar o braço ao máximo e lá consegui pregar com o telemóvel no chão. Na mensagem dizias que tinhas acabado de sair da Universidade, ainda nem tinhas jantado e querias saber se o pessoal se tinha juntado todo aqui (como é normal à sexta-feira). Passaram-me várias coisas pela cabeça como ignorar a mensagem e continuar a desfrutar do meu "ninho", no entanto, acabei por te dizer para onde tinha saído toda a gente e que eu estava sozinha, não valia a pena vires cá. Mas tu vieste na mesma... aparentemente também não querias meter-te em ambientes confusos naquele dia, nada de muitas imagens, gente a falar, fumo, música alta... Não estava à espera que viesses, não estava mesmo. Mas sabes que mais? Foi o melhor que podias ter feito.

Ainda consigo ver-te a entrar na sala com o pacote de castanhas assadas na mão. Ainda consigo sentir o sorriso e a sensação quente que deixaste que alastrasse dentro de mim. Acho que também te rias da minha cara gulosa e dos dedos sujos do carvão das castanhas. Sentaste-te comigo no chão, queixaste-te que te doía o pescoço mas não foste para o sofá. Acabaste por deitar a tua cabeça e os teus caracóis no meu colo, assim ao contrário do que acontece nos filmes.


Folhas escarlates e castanhas assadas: as únicas razões que me fazem abraçar o Outono. Ficámos a noite toda juntos e eu nunca me esqueci... até porque tu nunca gostaste de castanhas assadas.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Ode aos críticos de cinema

Se há coisa que eu não compreendo é exactamente para que servem os críticos de cinema, especialmente em sites onde o público também vota. Do meu ponto de vista, um crítico de cinema devia esclarecer os pontos fortes e fracos do filme. Se possível, explicar se vale a pena dar 5 euros por ele e comparar a algum filme já conhecido para dar uma vaga ideia da coisa. A maior parte dos críticos de cinema só serve para correr com o pessoal dos cinemas (seria essa a ideia original?).

Existem os críticos "enciclopédia", sabem tudo do passado dos realizadores: onde nasceram, as influências, as notas da escola, a primeira curta-metragem, quando é que o filme foi exibido pela primeira vez, os prémios que recebeu, excertos de entrevistas, etc. Comparam o filme actual com um qualquer que a criatura fez há 20 anos e dizem que esse é que era bom. Ficamos sem perceber se o filme vale ou não os 5 euros.

Os críticos "pessimistas" acham que qualquer filme é mau, os filmes bons eram na altura da Maria Cachucha ou de um realizador que nunca ninguém ouviu falar. Acham que o pessoal de hoje em dia não faz ideia do que é realizar um filme, divagam sobre outros filmes com o mesmo tema que, segundo eles, são obras-primas e esquecem-se do filme que deviam criticar.

Há aqueles que contam o filme do princípio ao fim: "O filme começa com o José que é desempregado, entretanto conhece Lúcia, o amor da sua vida, e a mãe dele morre em circunstâncias misteriosas. Todos suspeitam de Lúcia mas o verdadeiro culpado é o cunhado". Estes resolvem-nos o problema: ficamos logo sem vontade de ver o filme.

Existem também os críticos "surrealistas", são capazes de ver um arco-íris no "Branca de Neve" de João César Monteiro. Por alguma razão (que não o excesso de dioptrias), vêem um filme que não é o que o realizador fez. No plano de uma barraca conseguem encontrar uma crítica à sociedade e o facto de existir um arbusto na cena é uma clara menção à política de Bush. O chato é que podemos ficar muito entusiasmados com o filme e depois achar que não percebemos nada (ou pelo menos não entendemos o que o crítico entendeu).

E temos ainda aqueles que não viram filme, copiam as críticas estrangeiras e ficam muito felizes com isso. Sai sempre qualquer coisa como: "filme muito aclamado no festival porco de prata" o que deve querer dizer que é bom ou "o filme passou despercebido nos Estados Unidos" o que não diz nada porque, já se sabe, a opinião dos americanos não interessa nada.

Ora bem, o que é que acontece na realidade? Ninguém liga nenhuma aos críticos e o pessoal vai aos sites onde o público vota. Se há 200 pessoas a votar menos de 3 estrelas, fujam do filme! Nenhum português dá menos de 3 estrelas a menos que os 5 euros que gastou tenham sido mesmo mal gastos! Acima de 4 estrelas começa a ser um bom filme. E depois, acabo por gostar mais dos filmes comerciais do que daquelas "obras de arte" que os críticos idolatram (e que me fazem dormir).

terça-feira, outubro 10, 2006

Quando é que mudou?

A respiração volta devagarinho ao normal, o batimento cardíaco continua rápido e o meu corpo brilha do suor que ainda não foi absorvido pelo que resta do lençol... Agora já consigo pensar, consigo partilhar o que penso de ti, de nós. Assusta-me pensar até onde que chegámos. Olho para ti, um sorriso cansado mas sincero, olhos meigos que realmente se preocupam comigo.

Como chegámos até aqui? Evito pensar em toda a minha família, evito pensar na tua. O que realmente me preocupa é: quando é que passámos a conhecer-nos demasiado bem? Quando é que passámos a precisar um do outro? Quando é que passou a ser verdadeiro?... A situação assusta-me um pouco, não te consigo ver sem me imaginar a tirar-te a camisa e ao mesmo tempo não compreendo como arrasto a situação sem mexer um dedo para lhe colocar um ponto final ou talvez um inicial, apesar de tudo.

Conta-me o que sentes, conta-me porque me queres, conta-me porque é que pensaste que eu era a mulher da tua vida. Conta-me como vamos ter um futuro doce sem dificuldades, conta-me enquanto estás aqui comigo a sorrir e a olhar-me nos olhos. Conta-me histórias...

sexta-feira, outubro 06, 2006

Fado triste

Como almocei mais cedo do que o normal, em vez de ver as notícias fui "presenteada" com um programa da manhã (menos mal porque era na RTP1). Parece que hoje é dia de festejo, acredite-se ou não, estão a festejar o facto da Amália ter morrido há 7 anos. Eu sou a favor de aproveitarmos todos os momentos para festejarmos, quer alguém tenha morrido ou não.

Ok, eu não percebo nada de fado.. é verdade. Sei o nome da Amália pela mesma razão que sei o do Eusébio (não tem nada a ver com lontras) e já vi mais vezes um remate do Eusébio do que ouvi um fado da Amália. Aquele tipo de música não me puxa nada, não sou capaz de ouvir e deliciar-me. Mas posso opinar na mesma: que raio de caretas são aquelas?! Eu sei que os guitarristas têm a mania de fazer caretas ou meter a língua de fora quando prolongam uma nota aguda, mas o que é aquilo? Eu nem ouvi o que é que a Kátia Guerreiro estava a cantar, a minha atenção estava toda na cara que espelhava um sofrimento terrível, um verdadeiro parto sem epidural a cada sílaba. O queixo estava apontado para o PoSAT e a cara de sofrimento a olhar para o tecto só fazia pensar em que tipo de tortura inquisitória é que o tecto lhe estava a infligir. Anda aí tanto actor que não sabe fingir sofrimento e afinal basta aprender a fazer um playback de uma fadista! A única parte chata é mudar o argumento para ter o criminoso a atacar sempre por cima.

Como não estavam satisfeitos, resolveram levar dois guitarristas e procurar populares que quisessem cantar um fado "amaliano". Numa escolha que me pareceu perfeitamente lógica, foram ao mercado do Bulhão. Curiosamente aquilo não caiu e nenhuma mulher tinha sotaque do norte. Acho que as reportagens sobre o fecho do mercado são fictícias, quando se deu a confusão toda não havia uma entrevistada que falasse sem sotaque.. seriam figurantes?
Aí percebi finalmente o sofrimento da Kátia Guerreiro, tive um momento de escuridão total: aquelas "fadistas" resolveram abrir a goela e nuns minutos que duraram uma eternidade mostraram que é possível saber de cor uma música, ouvi-la mil vezes por dia, adorar a Amália e não acertar numa única nota, bravo! Os meus tímpanos pediam clemência, o meu queixo deixou-se cair de terror e desconfio mesmo que as celulazinhas que interpretam o som para sinais eléctricos estavam a planear um suicídio colectivo. A felicidade é que no meio de tanta tragédia, o microfone deixou de funcionar (partiu-se), entregou a alma ao criador e aposto que nunca pensou que pudesse vibrar tão sofrivelmente sem ter sentimentos.

Sim senhor, aquilo é o que eu chamo de homenagem! Ou talvez de crime público, não sei.