quinta-feira, abril 26, 2007

The secret's safe

Ninguém sabe o que nós sabemos, ninguém consegue adivinhar o porquê. Abstraímo-nos do mundo, apagamos os sons, afugentamos as luzes e ficamos sós. E trazemos esse segredo guardado há mais tempo do que podia imaginar, com mais intenção do que me lembro de desejar. Porque é que nos encontramos cá dentro, porque é que passámos por tanta coisa, porque é que deixámos que o outro entrasse num mundo que não partilhamos com mais ninguém. Onde falamos com um sorriso, de olhos fechados e com alguns toques cheios de significado. Porque não dizemos em voz alta o que realmente sentimos. Onde um olhar diz tanta coisa e onde lemos as interpretações e as dúvidas sem falar. Onde o olhar não se troca de olhos abertos. Até porque alguns sentidos estão tão apagados que nem que soltassem foguetes lá fora conseguíamos ouvir ou sentir. Onde cada toque é novo, apesar de saber todas as curvas que percorre do hábito que achava perdido.

Como é que construímos tanta coisa à margem de nós próprias? É como se eu vivesse em dois mundos, o meu e de toda a gente e o outro onde a maior parte das vezes acho que estou sozinha. Também te achaste sozinha? Onde me faz falta não ouvir a minha voz e deixar chover todas as ideias que tenho presas cá dentro, não ter nada por breves minutos. Não sei porque achei que estava sozinha por lá, que o meu ninho era só meu. Não me lembro de pensar nisto até teres voltado, até não conseguir controlar o meu ritmo mesmo quando há um grande vazio. Até me teres segurado e abraçado com intenção de continuar a abraçar muito depois dos teus braços terem partido. Como é que preenchemos os vazios, os anos, os enganos, as outras pessoas? Como é que parece que não se passou nada entretanto? Como é que guardámos tanta coisa... Como é que mais ninguém nos vê, temos o mundo adormecido à nossa volta.

quinta-feira, abril 05, 2007

Bom dia!

Enquanto acabo o sumo de laranja, olho divertida à minha volta. As cuscas chegam cada vez mais cedo... suponho que nunca há tempo suficiente para dizer mal de toda a gente. Às vezes gostava de saber o que elas dizem de mim, o que conferenciam quando eu entro. Há uma mulher particularmente atraente que vem cá todos os dias beber o café antes de ir trabalhar, é o alvo preferido delas. Não sei se o que dizem dela é verdade ou mentira, mas duvido que seja verdade... é a inveja a falar mais alto. Aposto que queriam ser como ela quando eram mais novas: sofisticadas, independentes e lindíssimas.

No entanto, não é este grupo que me rouba a atenção, mas sim um rapaz ao canto que finge que estuda (como se um estudante de secundário pudesse estudar às oito da manhã!). Acho piada ao facto dele olhar mais vezes para a porta do que para o caderno que tem aberto. Até que ela chega finalmente, sempre apressada, sempre atrasada. O dono conhece-a desde pequenina e dá sempre os bons dias à menina Isabel que agradece e sorri, agarra no bolo e sai a correr. Então o rapaz relaxa e pega finalmente no caderno. É incrível pensar que ele está ali o tempo todo só para a ver durante uns trinta segundos. Divirto-me ainda mais a pensar no que ele imagina quando ela não aparece... será que acha que ela tem uma doença muito grave? Que corre perigo de vida e que espera que ele a vá salvar? Aposto que cada vez que ela não vai buscar o bolo, ele jura que se declara se a voltar a ver. Já o vi a levantar do lugar, enquanto apertava as mãos com muita força para ganhar coragem, mas quando se levantou mesmo já ela tinha ido embora. Acho-lhe piada, pronto. Mas agora que a Isabel se foi, ele também está a arrumar as coisas.

Do outro lado está um grupo de estrangeiros. Há sempre estrangeiros no Verão, normalmente alemães, franceses ou espanhóis. Os últimos ouvem-se com uma certa clareza. Também acho piada ao pessoal que tem o sotaque cá do sítio, é provinciano mas tem a sua piada quando não dizem disparates. Oiço a conversa mas nem estou a tomar atenção ao conteúdo, estou simplesmente a registar as palavras onde a pronúncia é mais cerrada.

Até que tu chegas, ligeiramente atrasado, cabelo com risco ao lado a cair para os óculos. Sorris e iluminas tudo... nem esses teus olhos azuis pequeninos reflectem tanta luz. Sinto que até as cuscas te acham simpático e nem te conhecem. Levanto-me à pressa e nem acabo o sumo. Saio contigo, o meu dia começa agora.