sexta-feira, setembro 14, 2007

Sétima pista: no fim do arco-íris

(continuação)

Corri pela rua, desejei poder empurrar o metro para ir mais depressa, corri pela estação, corri durante todo o caminho que me separava de ti e só parei quando te vi. Só aí o meu coração desatou a bater atabalhoadamente e eu senti uma certa incapacidade em manter-me de pé. Tu viste-me assim que cheguei, imagino a minha figura... cabelo desgrenhado, o livro dos três mosqueteiros numa mão e uma mala pesada na outra. Estava parada feita estátua a olhar para ti. Levantaste-te e viraste-me costas, sem cerimónia nenhuma, em direcção a uma barraquita de gelados. Tive que reunir muito esforço mental para decidir qual das minhas pernas ia avançar primeiro e não me esquecer de avançar a outra a seu devido tempo. Fui deixando de respirar conforme a distância entre nós encurtava e parei completamente quando fiquei frente a frente contigo e me ofereceste um gelado.

- Magnum clássico? - ofereceu-me ele.
- Exacto, ainda te lembras... obrigada. Pensava que te tinhas ido embora? - estava mais que entalado na minha garganta e fui incapaz de reter para deixar sair um "olá" ou "que bom rever-te".
- Não foste despedir-te de mim - apesar de tudo, o tom dele não era zangado.
- Pois... hum... é horrível reconhecer isto, mas não tive coragem. Desliguei o telemóvel para não te dar hipótese de te despedires porque não te queria ouvir a dizer adeus e depois, quando já sabia que o avião tinha levantado, fiquei quase a odiar-me por não ter ido. Fiquei tão decepcionada que nem tenho saído de casa, é verdade. Pensava que era mais forte, devia ter lá estado, queria dizer-te coisas que achei que não tinha direito, não naquela altura. Queria ter ido... devia ter-me despedido de ti. Devia ter sido mais forte... por ti - nem uma única vez levantei os olhos do chão enquanto tentava justificar-me (sem perder a voz) de uma coisa que não tinha justificação.
- Fizeste-me sofrer um grande pedaço é verdade. Telefone desligado durante tanto tempo...
- Porque voltaste? - disparei eu.
- Eu não voltei, eu nunca saí. E já devias saber disso há mais de uma semana!
- Foi por isso que me tentaste ligar mais do que uma vez? Tu não chegaste a partir?!
- Não. Vais deixar o gelado derreter? - desta vez, ele tinha um olhar divertido.
- Cancelaram o voo? Que se passou? Não te quiseram, cancelaram o contrato?
- Eu não assinei nada, não fui porque não quis. E queria dizer-te que fiquei por ti, mas tu não me deste hipótese porque nunca chegaste a aparecer!
- Ah... - uma pessoa diz-nos uma coisa destas e a coisa mais inteligente que temos para dizer é um "ah"... eu sou triste.
- Resolvi fazer isto para te fazer sofrer um bocadinho e também para te fazer sair de casa, a tua mãe disse-me que não tens saído desde que... pronto. Na altura fiquei sem saber bem o que fazer. Não me disseste nada, nem na altura nem depois! Já não sabia se tinha feito bem ou se realmente devia ter ido naquele avião.
- Não!! Não devias nada ter ido embora! - saiu-me completamente sem aviso, inspirei devagar - Bem, eu nem sei qualificar a minha reacção ou falta dela. Muita falta de bom senso, é verdade! E sim, isto é eufemismo. Mas quero que saibas que desejei sempre que fosses tu por detrás disto. Em cada pista que descobria, cada passo até aqui, sonhei que ficava mais perto de ti... ajuda-me nalguma coisa? - ri-me do nervosismo.
- Ah sim? E como é que me vais convencer disso? - respondeu-me num ar trocista.
- Eu posso provar! - finalmente um sorriso da minha parte.
- Podes?... Como?
- Rima com varicela! - respondi eu, finalmente orgulhosa de qualquer coisa que tinha feito.

Entreguei-lhe o meu gelado ainda por abrir e tirei a caixa de chocolates da mala, o meu pequeno triunfo. Mostrei-lhe com um orgulho incomparável.

- E não é que valeu mesmo a pena esperar por ti?! - ele estava genuinamente surpreendido e não conteve uma gargalhada.
- Ora... há coisas que nunca mudam! - respondi eu com o maior sorriso de há muitos dias.

Rimo-nos com vontade, enquanto os gelados se derretiam. Aproximámo-nos um do outro (com cuidado para não esmagar os gelados) e ele deu-me um beijo sem bom senso nenhum, felizmente. Não tirámos os olhos um do outro durante o resto da tarde. Só o via a ele e era incapaz de imaginar a quantidade de pessoas que passeavam, iam e vinham à nossa volta. Parecíamos dois miúdos acabados de abrir todos os presentes de Natal e depois descobrir que eram exactamente o que tínhamos pedido. Rebolámos nas imperfeições da relva, rimos, falámos imenso, respirámos um para o outro... Por fim, resolvemos parar para descansar debaixo de uma arvorezita, eu fiquei sentada na relva ao colo dele. Olhei para os meus pés por nada de especial, simplesmente porque estavam no meu horizonte. Senti-me a transbordar de alegria, alegria por nada em particular, apenas felicidade pura por tudo. Senti-me demasiado pequena para guardar tanta alegria, senti-me demasiado minúscula para merecer tanto. Há pessoas que durante uma vida inteira não têm um só momento daqueles. Enchi-me de coragem para dizer tudo o que tinha guardado dentro de mim, e do meu quarto, nos últimos dias.

- Desta vez tenho que te pedir para ficares comigo. É egoísta, eu sei, mas quero sentir-me assim sempre que puder. E tem que ser contigo, normalmente não consigo ter tantas dores nos maxilares e nos abdominais. E eu gosto que me doa o maxilar de tanto rir... Eu costumo conseguir parar de rir, sabes? E perto de ti isso nunca acontece. Quero-te, a sério.
- Eu fiquei por ti, lembras-te?
- Mas eu nunca te tinha dito isto. Nunca tinha coragem... Nem há uma semana tive e agora que pensava que tinha perdido tudo, ter isto de volta é quase bom demais. Eu não mereço, mas queria dizer-te que te quero comigo alto e bom som para não teres que adivinhar ou ficar na dúvida sobre o que eu penso sobre ti... nós.
- Bem, mereces qualquer coisa, afinal chegaste ao fim do jogo mais rápido do que eu supunha... e acertaste na caixa de chocolates! E eu queria ouvir-te dizer isso... finalmente.
- Isso é um sim? - se o meu coração continuasse a bater assim, ia precisar de um transplante.
- Que remédio!...
- Até parece!
- Pronto, pronto... sim, claro! - e abraçou-me num sorriso brilhante.
- Assim está melhor.
- Achas?
- Não... tenho a certeza! Sinto-me como se tivesse descoberto o pote de ouro!
- Qual pote de ouro?
- O do final do arco-íris.
- Qual arco-íris?... Ok, esquece, tu és estranha... Chega p'ra cá!

9 comentários:

  1. Lindooo!
    Mas toda a gente sabe o que é o pote de ouro... ;)

    Um grande abraço para ti*

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  2. Ah, por isso é que ela não acordou quando lhe escreveram nas costas com batôn! Andava a xannax's e prozacs!

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  3. Adorei todo o suspence nas 6 pistas que antecederam este final!Num todo, está demais!!!
    Parabéns pela cativante maneira de escrever.
    Quero ver mais post's destes ;)
    Beijo

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  4. Acabei de reler as "pistas" todas, e... falta o pôr-do-sol! ;P

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  5. Aurora: Muito obrigada! O pôr-do-sol não era pista, era mesmo um conselho para a personagem não perder o pôr-do-sol em boa companhia! ;) Aqui a pista seria o local escrito no mapa do museu, apesar de acabar por não dizer exactamente onde é... mas acho que se percebe (especialmente tu que de vez em quando trabalhas lá! lol).

    W.: Se alguma vez publicares isso como resumo dos meus 7 capítulos, eu bato-te! lol

    Catarina: Ainda bem que gostaste! Logo se vê se a minha imaginação continua por estes lados ou não... :)

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  6. Eu percebi que o pôr-do-sol não era pista, estava era a queixar-me de não haver pôr-do-sol no último capítulo... :P (os românticos inveterados são assim, lamento!)
    Beijinhos e escreve mais!
    ...não sei porquê, estás-me a lembrar os tempos em que escrevíamos a aventura da nossa turma... ;)

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  7. Uuups! Sorry!
    Estava agora a pensar que quando escrevemos que o avião da nossa turma se tinha despenhado na selva e que o pessoal se estava a tentar desenvencilhar sozinho era o começo do "Lost". Aquela cena do Basílio numa liana e tal... nós tínhamos direito a receber algum $ pela ideia!! lol

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  8. Sem dúvida!
    Mas deixa lá, no último jantar de animadores eu e uma colega combinámos encontrar uma forma rápida e fácil de enriquecer, portanto quando reunirmos o comité para discussão de ideias bombásticas convidamos-te! ;)

    (O que me lembro melhor dessa história é da Lúcia e da Alexandra desesperadamente à procura de pastilhas...)

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  9. Parece-me uma reunião para discutir coisas interessantes! :D

    As pastilhas elásticas... das coisas que tu te lembras! Agora não consigo deixar de lembrar a Lúcia a mascar carradas de cenas dessas a todos os minutos! LOL

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