sábado, novembro 03, 2007

Nós

Não gosto de usar relógio e nunca me deito antes da madrugada. Acho que só consigo pensar tarde e a más horas, e penso demais quando estou deitada. Rio com imensa facilidade de quase tudo, mas sei que também depende da minha disposição. Vejo MotoGP e sou adepta do Rossi, mas faço uma certa resistência a ver televisão. Adoro andar de bicicleta ou mesmo descalça, conduzir e nadar. Mas correr e entrar num ginásio é o pior a que me podem forçar. O mar faz-me sempre sentir em paz e adoro acordar ao som das ondas sem despertador. Sou muito teimosa, sonho muitas vezes acordada e é difícil acordar-me desse torpor. Não sei porque te digo isto tudo, ao fim de tanto tempo é óbvio que já me conheces de cor. Há imensa gente que lida comigo todos os dias, mas tu compreendes-me (sentes-me?) melhor. A nossa relação tem falta de tudo, inclusivamente de relação. Mas não há como fugir-lhe quando sou traída pelo nervosismo sonante do meu próprio coração. Passo a vida a inventar situações e desculpas para poder ver-te, como se disso dependesse o meu tempo. Depois reclamo tanta vez da falta dele, como quando estou contigo, por exemplo. Estava mesmo a pensar em nós e comecei por falar de mim. Suponho que é mais fácil começar por um do que a dois, pelo fim. Soa a confessionário, mas sinto sempre que não tenho nada inteligente para te dizer. Não sei se alguma vez vais voltar, suponho que não é isso que queres, mas sabes que estaria lá para te receber. Assim como quando sonho acordada, é contigo que sonho invariavelmente. Sei que fui infiel aqui e ali, mas tu também e não me sinto culpada de nos termos provocado mutuamente.

Contigo tudo era fácil, parecia que os problemas não existiam. Acho que voavam ao mesmo tempo com que a roupa ia caindo e os beijos persistiam. Apetece-me dar-te os poucos neurónios que me restam, os braços, as mãos e o que me sustém de pé. Mas sei que não os queres e, apesar de tudo, ter-te para mim é das poucas coisas em que ainda tenho fé. A tua presença incomoda-me quase tanto como me atrai, mas quando apareces sinto-me forçada a desviar o olhar. Penso que sentiria a tua presença numa multidão sem fim, porque o teu corpo faz o meu vibrar. Sinto-me tonta, parva e prometo a mim própria que não volta a acontecer. A sorte é que só me desiludo a mim e não te apercebes do que me está a acontecer. Continuo sem ver futebol (apesar de querer saber quem ganhou), gostar de computadores e fazer contas de cabeça. Aprendi que sou alérgica ao calor, mas nunca mais desmaiei porque evito fazer coisas que puxem por mim até que arrefeça. Gosto de ver filmes pela noite dentro, de não aparecer em fotografias e de filmar detalhes. Apesar do sorriso fácil, observo-te compulsivamente à distância enquanto tento procurar um momento em que falhes. Um momento que cruzemos o olhar, um momento em que o teu sorriso trema, um momento que me mostre o que sentes. Mas tu continuas impávido e sereno, enquanto eu insisto no meu sonho onde mentes.

Queria falar-te de nós, mas não sei fazê-lo sem falar de mim.

8 comentários:

  1. Ok... fiquei com lágrimas nos olhos...
    ... parabéns, grande texto! ;)

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  2. Aposto que depois de ler isto, ele (ou ela! :P) também ficou com vontade de falar de si, acho que juntando tudo ficam com o "nós"! ;)

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  3. Ta realmente bonito o texto. Tens jeito para a literatura melancolica.
    A parte em que:
    "..um momento em que o teu sorriso trema, fez-me lembrar um vizinho meu que tinha uma parelesia facial. Infeliznente entretanto moerreu e agora já não temos um sorriso que treme entre nós.
    Mais uma vez parabéns. Principalmente por fazeres a aurora chorar, para ela ver como a vida custa...

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  4. Errata ao comentario anterior:

    Parelesia=Paralesia
    Moerreu=Morreu
    Infeliznente=Infelizmente

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  5. Olha.. um daqueles posts que são difíceis de comentar.
    Tão sentidos e pessoais que temos medo de ao dizer o que quer que seja estejamos a invadir a privacidade de quem o escreveu.
    No entanto é tão bonito que apesar de não me fazer lembrar nenhum vizinho não resisti a deixar aqui qualquer disparate escrito.

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  6. tinha saudades deste mundo lascivo.

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  7. Ana: Sem querer desfazer o texto, até porque acho que a partir do momento que fica online é de cada pessoa que lê e não de quem o escreveu. Às vezes nem tem muito significado, mas espero que para alguém tenha, mesmo que para isso tenha que deturpar completamente o sentido original.

    Efectivamente este texto não me é nada íntimo (acabei de o estragar? lol) e foi acima de tudo uma experiência para ver se conseguia construir algo rítmico com sentido. É claro que tem as minhas manias, mas não é sobre nada que não seja montado nas nuvens dentro da minha cabeça, para me ajudar a dar sentido às palavras.

    Qualquer disparate é sempre bem vindo, afinal, a vontade de escrever qualquer coisa sobre o texto reflecte que ele atingiu qualquer propósito. Obrigada por te teres dado ao trabalho! E por leres e sentires as palavras, acima de tudo por isso! :)

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  8. Aurora: Não te sabia tão... err.. emotiva? Ou se calhar sabia! Tenho saudades!! ;)

    W.: Eles (elas) que se entendam, eu cá lavo as mãos disto! lol

    balhau: Sem pressas!

    Antonio: Espero continuar a ajudar às expectativas? lol

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