As minhas memórias são falsas e não há nenhuma que eu veja através dos meus olhos, mas sim através de uma terceira pessoa que me consegue ver. Caminho numa passadeira sem fim, onde as minhas memórias desfilam. Lembro-me de estar sentada à chinês encostada à varanda e da tesoura branca em forma de bruxa que usei para cortar o meu cabelo todo. Não me lembro de quando consegui dizer "camisola" pela primeira vez. Lembro-me de saber o nome das minhas nove Barbies. Prometi a mim mesma que nunca me ia esquecer deles. Lembro-me de ficar chateada quando tinha uma bola cinzenta de plasticina, porque é que as cores se misturavam?... Adorava brincar na padaria do meu avô e ainda hoje sei enrolar a massa do pão. Lembro-me de correr até ao pasteleiro e pedir-lhe para me fazer um guardanapo com creme de pasteleiro em vez do habitual creme de ovos, e ele fazia-me a vontade! Lembro-me do meu cabelo voltar a crescer, ficar bem comprido e adquirir um ondulado que nunca me orgulhou, mas agora vejo nas fotografias que era giro. Demorei um bocado a entender a diferença entre rapazes e raparigas, jogava à bola, brincava com carrinhos e os vestidos cor-de-rosa e cabelo comprido nunca me ajudaram muito. Rasguei mais roupa a jogar à bola do que posso imaginar. Lembro-me da primeira vez que alguém me ouviu a tocar piano.
Lembro-me das manhãs de Natal a construir castelos de Legos. Lembro-me de comer à mão quando vinha esfomeada da natação e me deixavam ficar acordada até mais tarde a ver a She-ra ou o He-man. Lembro-me de me esconder debaixo da cama porque não queria ir para a escola. Até que aprendi a ler e nunca mais perdi o vício. Os Legos também não me abandonaram até que os troquei pelos puzzles. Cresci de repente e deixei de reconhecer o meu rosto. Foi como se olhasse verdadeiramente para mim pela primeira vez. Acho que foi nesta altura que deixei de falar e de abraçar toda a gente. Reparei nos rapazes pela primeira vez. Recebi aqueles bilhetinhos com dois quadradinhos "SIM" e "NÃO" à pergunta "Queres namorar comigo?". Algumas vezes vinha também um mais ingénuo "Queres casar comigo?". Aposto que os miúdos de hoje não escrevem esse.
E cresci mais, aprendi mais, vi muito mais. Aprendi a gostar de viver. Nunca beijei ninguém ao "bate pé" e nem sei porque é que bati tantas vezes o pé?... Não me lembro do meu primeiro beijo. Nem me lembro ao certo de quem terá sido o rapaz, mas lembro-me de amar alguém pela primeira vez. Lembro-me de sofrer por me ter apercebido disso tarde demais. Não me lembro de te ter beijado a primeira vez, mas lembro-me de quando o fiz a sério pela primeira vez. Lembro-me de quase tudo o que me fizeste sentir e me ensinaste... e eu a ti, sem saber. Das sensações que descobrimos juntos e de momentaneamente entrelaçarmos as nossas vidas. Lembro-me de ter traído alguém pela primeira vez. Lembro-me de dizer adeus. Lembro-me de chorar até adormecer. Não me lembro de ter parado de chorar? Lembro-me de sentir dores, lembro-me de hospitais e lembro-me de muitas mais coisas que não quero realmente lembrar. Lembro-me de ter começado a gostar mais de mim, a defender-me melhor. Lembro-me de entender que fazer alguém rir é mais importante do que parece.
Não sei ao certo se alguém me conhece de fora para dentro. Não sei se entendem a confusão que sinto tanta vez. Não sei porque queres saber quem eu sou... está tudo junto, baralhado e marcado nas minhas mãos, sorriso e olhos. Está lá toda a minha história e é só isso que precisas de saber. Não sinto qualquer necessidade de contar-te pelo que passei para chegar até aqui. O que interessa é que cheguei.
sexta-feira, junho 20, 2008
segunda-feira, junho 16, 2008
Ligeiramente Insano
- Isto tem que acabar.
- Isto? Nós?... - Ela anuiu. - Porquê?
- Ora porquê? Raramente nos vemos e quando nos vemos é sempre a mesma coisa! Qualquer dia nem falamos, encontramo-nos logo no quarto... para além disso, tu tens namorada!
- No quarto? Mas nós ainda há pouco estivemos ali na parede da entrada e naquele sofá ali e...
- Já percebi a ideia. Eu também estava lá, ok?
- Não me digas que não gostaste, eu sei que sim!
- E eu era lá capaz de dizer que não?! Achas que costumo receber assim os convidados cá em casa?... E agora que falas nisso, tenho que ver se não partimos o candeeiro...
- Se "tu" partiste...
- ... da entrada. - Esboçou-lhe um sorriso amarelo. - Mas isto tem que acabar, não está certo.
- Mas qual é o teu problema? A Ana? Tu já sabes que...
- Sim, que vai durar no máximo três meses e depois trocas. E depois trocas de novo.
- É um ciclo saudável.
- Dá saúde e faz crescer?... Mas eu não estou preocupada se estás com a Ana ou a Joaquina, preocupa-me teres namorada e eu estar consciente do facto! Se não souber, parece que sempre posso fazer-me de estúpida e achar que estás comigo num intervalo?...
- Então faz-te de estúpida e vem cá.
- Parvo. - Cruzou os braços. - O que é que lhe disseste? Noitada com os amigos?
- Ná... trabalhar até tarde.
- E ela acredita nisso? Até esta hora?
- Também não é que lhe minta assim tantas vezes! Nós vemo-nos tão pouco, estás sempre ocupada!
- Sinto a minha sanidade mental a fugir... Eu estou ocupada?!
- Tu sabes que eu não era capaz de trair ninguém sem ser contigo.
- No fundo, és um romântico.
- Eu já lhe disse que havia assim uma miúda que eu não tinha esquecido completamente...
- E ela acha que as noitadas ajudam-te a esquecer?
- Ora, tu é que não me ajudas a esquecer-te!
- Isto não é normal!... Bem, espero que o candeeiro não esteja partido.
- Mas ainda estás preocupada com o candeeiro? Queres que eu pague aquela coisa?
- Pois, a trabalhar horas extraordinárias deves ter dinheiro que chegue...
- Que engraçadinha!
- A sério, isto tem que acabar. É de malucos!
- Mas qual é o teu problema, arranjaste namorado?
- E se tiver arranjado?
- Oh, não me digas! Eu não quero saber. A ideia de te ver com outro é... - E juntou os ombros ao pescoço num arrepio.
- Isto não é normal sabes? - Não conseguiu evitar um sorriso. - Tu é que tens namorada, eu vejo-te quando o rei faz anos e...
- Ok, pára. É só porque vocês podiam fazer... err...
- Não tenho namorado, satisfeito?
- Aaah... aliviado? Mas não é nada que me diga respeito.
- Tens cá uma lata!... Promete, hoje é a última vez que isto acontece assim!
- Mas tu queres mesmo acabar? Nem encontrarmo-nos assim uma vez ou outra? Recordar os bons velhos tempos... nós encaixamos tão bem!
- Eu não vou comentar!
- Só dizes disparates.
- Hum?! Estou a ficar com pena da tua namorada...
- Ao menos ela compreende-me!
- Vejo que isso traz-lhe benefícios evidentes. Quando é que vais mesmo acabar com ela?
- Não sei. Já esteve mais longe... sabes que vou passar o resto da semana a pensar em ti... nós.
- Tens noção que isto não é normal, certo? Vais dar comigo em maluca.
- Ora, já eras assim quando eu te conheci! Não ponhas as culpas para cima de mim!
- Última vez, ok? Finito, acabado.
- Deixa-te lá dessas coisas! Chega-te mais perto, hoje ainda vale, não?
- Não sei.
- Enquanto reflectes sobre o assunto, vem cá ter comigo. Adoro abraçar-te, especialmente quando estás calada. Adoro sentir-te perto. Posso dormir cá? Quero abraçar-te a noite toda...
- Eu nem consigo ficar chateada... oh Deus!
- Vês, nós ficamos tão bem assim os dois, bem pertinho.
- Não consigo decidir se tu és muito esperto ou eu muito burra.
- Eu vou guardar os meus pensamentos sobre esse assunto.
- Ha ha... Mas vais ficar cá a noite toda? E a tua namorada não está à tua espera?
- Deixa lá isso! Hoje somos só os dois, ok? À nossa maneira?
- Eu vou acabar num hospício!...
Acordou sozinha, já o sol ia alto. Na almofada repousava uma nota: "Isto NÃO acabou".
- Isto? Nós?... - Ela anuiu. - Porquê?
- Ora porquê? Raramente nos vemos e quando nos vemos é sempre a mesma coisa! Qualquer dia nem falamos, encontramo-nos logo no quarto... para além disso, tu tens namorada!
- No quarto? Mas nós ainda há pouco estivemos ali na parede da entrada e naquele sofá ali e...
- Já percebi a ideia. Eu também estava lá, ok?
- Não me digas que não gostaste, eu sei que sim!
- E eu era lá capaz de dizer que não?! Achas que costumo receber assim os convidados cá em casa?... E agora que falas nisso, tenho que ver se não partimos o candeeiro...
- Se "tu" partiste...
- ... da entrada. - Esboçou-lhe um sorriso amarelo. - Mas isto tem que acabar, não está certo.
- Mas qual é o teu problema? A Ana? Tu já sabes que...
- Sim, que vai durar no máximo três meses e depois trocas. E depois trocas de novo.
- É um ciclo saudável.
- Dá saúde e faz crescer?... Mas eu não estou preocupada se estás com a Ana ou a Joaquina, preocupa-me teres namorada e eu estar consciente do facto! Se não souber, parece que sempre posso fazer-me de estúpida e achar que estás comigo num intervalo?...
- Então faz-te de estúpida e vem cá.
- Parvo. - Cruzou os braços. - O que é que lhe disseste? Noitada com os amigos?
- Ná... trabalhar até tarde.
- E ela acredita nisso? Até esta hora?
- Também não é que lhe minta assim tantas vezes! Nós vemo-nos tão pouco, estás sempre ocupada!
- Sinto a minha sanidade mental a fugir... Eu estou ocupada?!
- Tu sabes que eu não era capaz de trair ninguém sem ser contigo.
- No fundo, és um romântico.
- Eu já lhe disse que havia assim uma miúda que eu não tinha esquecido completamente...
- E ela acha que as noitadas ajudam-te a esquecer?
- Ora, tu é que não me ajudas a esquecer-te!
- Isto não é normal!... Bem, espero que o candeeiro não esteja partido.
- Mas ainda estás preocupada com o candeeiro? Queres que eu pague aquela coisa?
- Pois, a trabalhar horas extraordinárias deves ter dinheiro que chegue...
- Que engraçadinha!
- A sério, isto tem que acabar. É de malucos!
- Mas qual é o teu problema, arranjaste namorado?
- E se tiver arranjado?
- Oh, não me digas! Eu não quero saber. A ideia de te ver com outro é... - E juntou os ombros ao pescoço num arrepio.
- Isto não é normal sabes? - Não conseguiu evitar um sorriso. - Tu é que tens namorada, eu vejo-te quando o rei faz anos e...
- Ok, pára. É só porque vocês podiam fazer... err...
- Não tenho namorado, satisfeito?
- Aaah... aliviado? Mas não é nada que me diga respeito.
- Tens cá uma lata!... Promete, hoje é a última vez que isto acontece assim!
- Mas tu queres mesmo acabar? Nem encontrarmo-nos assim uma vez ou outra? Recordar os bons velhos tempos... nós encaixamos tão bem!
- Eu não vou comentar!
- Só dizes disparates.
- Hum?! Estou a ficar com pena da tua namorada...
- Ao menos ela compreende-me!
- Vejo que isso traz-lhe benefícios evidentes. Quando é que vais mesmo acabar com ela?
- Não sei. Já esteve mais longe... sabes que vou passar o resto da semana a pensar em ti... nós.
- Tens noção que isto não é normal, certo? Vais dar comigo em maluca.
- Ora, já eras assim quando eu te conheci! Não ponhas as culpas para cima de mim!
- Última vez, ok? Finito, acabado.
- Deixa-te lá dessas coisas! Chega-te mais perto, hoje ainda vale, não?
- Não sei.
- Enquanto reflectes sobre o assunto, vem cá ter comigo. Adoro abraçar-te, especialmente quando estás calada. Adoro sentir-te perto. Posso dormir cá? Quero abraçar-te a noite toda...
- Eu nem consigo ficar chateada... oh Deus!
- Vês, nós ficamos tão bem assim os dois, bem pertinho.
- Não consigo decidir se tu és muito esperto ou eu muito burra.
- Eu vou guardar os meus pensamentos sobre esse assunto.
- Ha ha... Mas vais ficar cá a noite toda? E a tua namorada não está à tua espera?
- Deixa lá isso! Hoje somos só os dois, ok? À nossa maneira?
- Eu vou acabar num hospício!...
Acordou sozinha, já o sol ia alto. Na almofada repousava uma nota: "Isto NÃO acabou".
quarta-feira, junho 11, 2008
O eco das gargalhadas
“Cheguei!”
Contra vontade, lá desci as escadas em direcção à rua. Tu ias-te embora, e sendo assim, eu queria ir contigo. Nem vi se estava uma noite estrelada ou se estava mau tempo, não levantei o nariz uma vez sequer. Só me lembro de estar encostada a ti, lado a lado. Tinha a cabeça ligeiramente apoiada no teu ombro, estava parcialmente sentada no teu lugar e tu seguravas-me como a evitar que eu saísse daquela posição de conforto. Do rádio só saíam músicas estranhas... mas os primeiros acordes faziam-me rir quando reconhecia a improvável música e davam-nos motivos de conversa ou gargalhadas partilhadas.
Até que a vontade se sobrepôs ao riso e à conversa. Ainda sentia uma leve falta de ar da última gargalhada, mas quando olhei para ti, já estavas sério e fitavas-me com ar grave. O resto do sorriso desapareceu-me dos lábios. Mas depois não entendi, fizeste tudo só para mim... porquê? Sei dizer-te que naquele momento te queria mais do que tudo. O que quer que me tivesses dito, eu acreditava sem pensar duas vezes. No entanto, não ousei confessar-me e tu não articulaste nenhuma palavra. Ficaste a abraçar-me com força. Era um daqueles momentos em que estava perigosamente sem chão, do outro lado esperavam-me os dragões e as criaturas do fim do mundo. Eu balançava-me no limbo, sem saber se me devia deixar cair ou não. Apesar do ar grave que carregávamos naquele momento, ainda sorrio ao lembrar-me das gargalhadas, da música e dos olhares perdidos. Nuca e cabelo ligeiramente humedecido, ar quente, o teu colo e a felicidade privilegiada de não estar noutro sítio.
Para mim, foi depressa demais quando disseste que querias ir embora. Fiquei meio perdida, afastei-me bruscamente do precipício mental e voltei a enterrar os pés em solo firme. Perguntei por ti e vacilaste. Ganhei-te de volta, sem saber como nem porquê. Seguiram-se mais algumas gargalhadas que nos confortaram. Mas não estavas à vontade, eu sentia mais isso do que a minha boa disposição, nem precisava de te olhar nos olhos. Mas adoro os olhares que trocamos, desde que não estejas com ar de sofrimento. Não gosto quando estás demasiado sério, faz-me pensar que há alguma coisa de errado que eu não consigo alcançar. Beijei-te com mais vontade, sem saber o que fazer para afastar a tua sombra.
Não me deixaste ir embora sem te beijar uma última vez, foi talvez a maior prenda que me deste.
Contra vontade, lá desci as escadas em direcção à rua. Tu ias-te embora, e sendo assim, eu queria ir contigo. Nem vi se estava uma noite estrelada ou se estava mau tempo, não levantei o nariz uma vez sequer. Só me lembro de estar encostada a ti, lado a lado. Tinha a cabeça ligeiramente apoiada no teu ombro, estava parcialmente sentada no teu lugar e tu seguravas-me como a evitar que eu saísse daquela posição de conforto. Do rádio só saíam músicas estranhas... mas os primeiros acordes faziam-me rir quando reconhecia a improvável música e davam-nos motivos de conversa ou gargalhadas partilhadas.
Até que a vontade se sobrepôs ao riso e à conversa. Ainda sentia uma leve falta de ar da última gargalhada, mas quando olhei para ti, já estavas sério e fitavas-me com ar grave. O resto do sorriso desapareceu-me dos lábios. Mas depois não entendi, fizeste tudo só para mim... porquê? Sei dizer-te que naquele momento te queria mais do que tudo. O que quer que me tivesses dito, eu acreditava sem pensar duas vezes. No entanto, não ousei confessar-me e tu não articulaste nenhuma palavra. Ficaste a abraçar-me com força. Era um daqueles momentos em que estava perigosamente sem chão, do outro lado esperavam-me os dragões e as criaturas do fim do mundo. Eu balançava-me no limbo, sem saber se me devia deixar cair ou não. Apesar do ar grave que carregávamos naquele momento, ainda sorrio ao lembrar-me das gargalhadas, da música e dos olhares perdidos. Nuca e cabelo ligeiramente humedecido, ar quente, o teu colo e a felicidade privilegiada de não estar noutro sítio.
Para mim, foi depressa demais quando disseste que querias ir embora. Fiquei meio perdida, afastei-me bruscamente do precipício mental e voltei a enterrar os pés em solo firme. Perguntei por ti e vacilaste. Ganhei-te de volta, sem saber como nem porquê. Seguiram-se mais algumas gargalhadas que nos confortaram. Mas não estavas à vontade, eu sentia mais isso do que a minha boa disposição, nem precisava de te olhar nos olhos. Mas adoro os olhares que trocamos, desde que não estejas com ar de sofrimento. Não gosto quando estás demasiado sério, faz-me pensar que há alguma coisa de errado que eu não consigo alcançar. Beijei-te com mais vontade, sem saber o que fazer para afastar a tua sombra.
Não me deixaste ir embora sem te beijar uma última vez, foi talvez a maior prenda que me deste.
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