Desculpa-me

Quando te insinuas a mim, é nela que penso para conseguir abraçar-te e beijar-te. Fecho os olhos e deixo-me flutuar até uma memória qualquer de calor intenso. Consigo confundir os meus sentidos para sentir que estou a tocar nela quando toco em ti. É uma contradição, esforço-me por ti para que tu me sintas excitado, desejoso, porque tu mereces que eu me sinta assim. Mas ao mesmo tempo estou a enganar-te. E quando acaba, quando não é o sabor dela na minha boca e os meus sentidos despertam, afinal sou eu que me sinto enganado. És tu e não ela que está ao meu lado. Como é que eu posso ter entrado tão fundo nesta fantasia? Como é que o teu cheiro e o teu cabelo curto podem, por um momento que seja, serem dela? Mas o que me mete mais medo é como é que eu não consigo fazer isto sem pensar nela...

Eu sei que tu gostas verdadeiramente de mim, até acredito mesmo que possas amar-me até ao fim da tua vida. E eu sei o que vi em ti quando te conheci e isso não mudou, simplesmente o que sinto por ela é inexplicavelmente mais forte, parece que nem eu tenho direito a controlar o efeito que ela tem sobre mim. Não consegues igualar o que ela me faz sentir, nem ficar num honroso segundo lugar e eu não sei porquê. Ela é tudo o que eu quero e sinto a falta dela a cada instante, mesmo quando a tenho presa nos meus braços. E apesar de tentar cortar estas amarras, estar longe dela é-me extremamente difícil e quanto mais tenho mais quero ter. Até que não consigo resistir mais à minha própria vontade e tenho que entregar-me a ela, só ela é que me faz sentir assim. Não consigo pensar em mais nada e só acordo quando ela me abre a porta. O teu amor não atinge esta necessidade, esta vontade impossível de suprimir. Às vezes acho que ela nem se preocupa muito comigo, mas os nossos corpos foram criados para estarem juntos. O reconhecimento foi tão imediato que isto tem que estar escrito algures nos meus genes: é ela. Ela tem aquele sorriso despreocupado e lê-me a mente, foge quando eu quero, aproxima-se quando resisto, dá-me a volta aos sentidos até deixar-me atordoado. Já não sei o que é certo ou errado, só que quero tê-la naquele momento, seja onde for, esteja ela onde estiver.

É mais fácil viver contigo e é mais fácil falar contigo. Mas tu não reages como ela, não te ris com ela e os teus olhos não soltam faíscas de prazer quando olhas para mim. Tu olhas para mim com uma certa adoração e não de igual para igual... Sei que tu és a pessoa que os meus pais e amigos escolheriam, a pessoa que vai conseguir que eu atinja saudavelmente os 80 anos. Ela vai deixar-me os cabelos brancos antes dos 30 e desconfio que morro de ataque de coração aos 50. Mas apesar dela consumir-me inexoravelmente, também me alimenta, também é minha e só minha durante breves instantes. Nem sei se conseguiria viver com ela, seria como ter dois fogos independentes fechados num espaço apertado enquanto lutam pela mesma lenha... mas também sei que mesmo que tentasse afastar-me dela, nunca seria capaz de deixar de voltar. Ela passou a ser parte de mim e eu desespero em cada momento sem ela, asfixio sem um bocadinho de ar quente que tenha tocado nela. E tu não sentes isto, nem acho que vais sentir. Não é uma acusação, é só uma observação. E agora que adormeceste, tenho que ir ter com ela. Tenho que saciar-me, se é que isso é possível. Talvez seja esta a noite em que não tenho forças para voltar para ti... Se assim for, desculpa.