Ela olha para ele de cima a baixo e descobre que tudo o que mudou nele não muda nada, é ele na mesma. A mesma pele agora um pouco mais queimada, a barba mal cortada que arranha ligeiramente, as mãos sujas da terra que lhe cobre a roupa e os olhos tristes. Os olhos é que ela não reconhece, já não são dele.. através deles ela sente a alma a gritar de resignação.
Eu estou quieta a observá-los, a sentir a respiração contida e os olhares de redescoberta, de medo. Ela esboça o primeiro sorriso e ele encarreta uma conversa banal. Quebram o gelo, finalmente. Conforme ele vai andado, ela segue-lhe os passos com o mesmo sorriso feito que tinha há pouco.. nunca se colocam a par, mas falam e, às vezes, até riem. Ela observa o que poderia ser ela ao conhecer no que ele se tornou e a vida que abraçou. O medo desvanece por completo e dá lugar a um novelo de pensamentos entrelaçados. Tanto temor para quê? Tanto nervoso miudinho, tanto esfregar de mãos e respiração cortada sem querer, para quê? O tempo é demasiado poderoso. Ela vê o tempo a passar nos olhos dele, cada grão de areia que cai no fundo da ampulheta e ela sente-se tão feliz! Feliz porque aquele não é o futuro dela. Tudo o que ela passou, as novidades, as mudanças, as noites em claro, as lágrimas teimosas, a ansiedade, a confusão, o medo de não voltar.. E para quê? Ali estava ela, exactamente onde queria estar. Curiosamente, naquele presente ele não tinha qualquer papel senão na cabeça dela, nem um mísero figurante era! Continua atrás dele mas o sorriso que agora leva estampado na cara é verdadeiro, o brilho nos olhos dela contrasta tanto com o baço dos dele, que qualquer pessoa poderia ver a necessidade que ele tem de o sorver nos dela.
"Temos que repetir isto mais vezes"
Ela acena que sim com a cabeça mas tanto lhe faz. O medo desvaneceu, afinal não era nada. A quantidade de coisas com que ela se preocupa antes de acontecerem é assustadora, mas ela está a aprender que só se deve preocupar com o que acontece, a vida prova-lhe isso a cada momento. Eu vejo-a a recuperar o sorriso alegre, a ser senhora de si e da vida que leva, especialmente da felicidade que sente por ter chegado até ali, ou melhor, aqui. Sorrio também e abandono a minha postura petrificada. Ela despede-se dele com um aceno, enquanto ele espera um abraço. Não obstante, pega-lhe na mão para a ajudar a entrar no carro. Ele fica parado, de pé, a dizer adeus enquanto ainda sente o cheiro dela no ar que o envolve. E se era ela o que ele realmente queria? Mesmo depois deste tempo todo? Sabia a dificuldade que tinha sentido em pegar-lhe na mão e tinha reparado na falta de atrapalhação dela. Olhos tão vivos que poderiam ser agora os dele... Bem, não interessa pensar nisso porque o presente dele é a terra que o cobre de cima a baixo. Vejo-o voltar para casa a massajar a mão com que tocou nela, acender a televisão e a mergulhar no sofá. Eu sorrio da liberdade recentemente descoberta.. e de não ter qualquer sensação na minha mão.
Lindo o texto...
ResponderEliminar;)
(suspiro)...
ResponderEliminar... tenho q ler isto de novo antes de poder fazer um comentário para além do "uau..."
Estou sem palavras =) Beijinho*
ResponderEliminarbalhau: *****
ResponderEliminaraurora: Que exagero! lol Mas muito obrigada, gostei muito! ;)^*
cátia: Bem vinda! Vou tomar isso como um elogio, obrigada! :) Beijinho*