quarta-feira, junho 11, 2008

O eco das gargalhadas

“Cheguei!”
Contra vontade, lá desci as escadas em direcção à rua. Tu ias-te embora, e sendo assim, eu queria ir contigo. Nem vi se estava uma noite estrelada ou se estava mau tempo, não levantei o nariz uma vez sequer. Só me lembro de estar encostada a ti, lado a lado. Tinha a cabeça ligeiramente apoiada no teu ombro, estava parcialmente sentada no teu lugar e tu seguravas-me como a evitar que eu saísse daquela posição de conforto. Do rádio só saíam músicas estranhas... mas os primeiros acordes faziam-me rir quando reconhecia a improvável música e davam-nos motivos de conversa ou gargalhadas partilhadas.

Até que a vontade se sobrepôs ao riso e à conversa. Ainda sentia uma leve falta de ar da última gargalhada, mas quando olhei para ti, já estavas sério e fitavas-me com ar grave. O resto do sorriso desapareceu-me dos lábios. Mas depois não entendi, fizeste tudo só para mim... porquê? Sei dizer-te que naquele momento te queria mais do que tudo. O que quer que me tivesses dito, eu acreditava sem pensar duas vezes. No entanto, não ousei confessar-me e tu não articulaste nenhuma palavra. Ficaste a abraçar-me com força. Era um daqueles momentos em que estava perigosamente sem chão, do outro lado esperavam-me os dragões e as criaturas do fim do mundo. Eu balançava-me no limbo, sem saber se me devia deixar cair ou não. Apesar do ar grave que carregávamos naquele momento, ainda sorrio ao lembrar-me das gargalhadas, da música e dos olhares perdidos. Nuca e cabelo ligeiramente humedecido, ar quente, o teu colo e a felicidade privilegiada de não estar noutro sítio.

Para mim, foi depressa demais quando disseste que querias ir embora. Fiquei meio perdida, afastei-me bruscamente do precipício mental e voltei a enterrar os pés em solo firme. Perguntei por ti e vacilaste. Ganhei-te de volta, sem saber como nem porquê. Seguiram-se mais algumas gargalhadas que nos confortaram. Mas não estavas à vontade, eu sentia mais isso do que a minha boa disposição, nem precisava de te olhar nos olhos. Mas adoro os olhares que trocamos, desde que não estejas com ar de sofrimento. Não gosto quando estás demasiado sério, faz-me pensar que há alguma coisa de errado que eu não consigo alcançar. Beijei-te com mais vontade, sem saber o que fazer para afastar a tua sombra.

Não me deixaste ir embora sem te beijar uma última vez, foi talvez a maior prenda que me deste.

4 comentários:

  1. "Não há volta
    Sem partir
    O que foi não volta a ser"

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  2. "Não me deixaste ir embora sem te beijar uma última vez"... as pequenas coisas são muitas vezes as maiores prendas... ;)

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  3. Este texto sim, é uma prenda.

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  4. W.: Gostei particularmente do "não há volta sem partir"! ;)

    Aurora: Pois são!... Beijinho grande para ti!!

    Goth Mortens: Oh, obrigada!! :D

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