Nesse dia cheguei tarde a casa, andava cheia de trabalho. Tinha tanta coisa para fazer que já não bastava escrever na agenda, precisava mesmo de memorizar algumas coisas. Estar constantemente a rever tudo o que tinha que fazer criava-me uma certa dificuldade em desligar ao chegar a casa. A informação toda que voava de um neurónio para outro toldava-me a fome, a sede, a vontade de fazer o jantar e de ouvir música (televisão foi coisa que nunca me atraiu).
Nesse dia lembrei-me de inventar qualquer coisa para relaxar, fui buscar um cobertor grande, puxei o sofá para trás, tirei a mesa da frente e estendi o cobertor no chão. O sofá era de facto mais confortável, mas a coisa compôs-se com uma ou duas almofadas e música muito baixinha. Deitei-me ali, a imaginar como seria se eu de facto tivesse uma lareira. Não sei quanto tempo fiquei assim, provavelmente adormeci. Despertei com o som do telemóvel, aquele bicho que tanto nos consegue fazer sorrir como cerrar os dentes com força. Confesso que demorei um certo tempo a equacionar se valia a pena levantar-me para ver o que se passava, afinal já passava da meia noite e eu estava a sentir-me tão pequenina, tão agasalhada, tão bem.
Ao fim de alguns minutos, acabei por esticar o braço ao máximo e lá consegui pregar com o telemóvel no chão. Na mensagem dizias que tinhas acabado de sair da Universidade, ainda nem tinhas jantado e querias saber se o pessoal se tinha juntado todo aqui (como é normal à sexta-feira). Passaram-me várias coisas pela cabeça como ignorar a mensagem e continuar a desfrutar do meu "ninho", no entanto, acabei por te dizer para onde tinha saído toda a gente e que eu estava sozinha, não valia a pena vires cá. Mas tu vieste na mesma... aparentemente também não querias meter-te em ambientes confusos naquele dia, nada de muitas imagens, gente a falar, fumo, música alta... Não estava à espera que viesses, não estava mesmo. Mas sabes que mais? Foi o melhor que podias ter feito.
Ainda consigo ver-te a entrar na sala com o pacote de castanhas assadas na mão. Ainda consigo sentir o sorriso e a sensação quente que deixaste que alastrasse dentro de mim. Acho que também te rias da minha cara gulosa e dos dedos sujos do carvão das castanhas. Sentaste-te comigo no chão, queixaste-te que te doía o pescoço mas não foste para o sofá. Acabaste por deitar a tua cabeça e os teus caracóis no meu colo, assim ao contrário do que acontece nos filmes.
Folhas escarlates e castanhas assadas: as únicas razões que me fazem abraçar o Outono. Ficámos a noite toda juntos e eu nunca me esqueci... até porque tu nunca gostaste de castanhas assadas.
sexta-feira, outubro 27, 2006
quarta-feira, outubro 18, 2006
Ode aos críticos de cinema
Se há coisa que eu não compreendo é exactamente para que servem os críticos de cinema, especialmente em sites onde o público também vota. Do meu ponto de vista, um crítico de cinema devia esclarecer os pontos fortes e fracos do filme. Se possível, explicar se vale a pena dar 5 euros por ele e comparar a algum filme já conhecido para dar uma vaga ideia da coisa. A maior parte dos críticos de cinema só serve para correr com o pessoal dos cinemas (seria essa a ideia original?).
Existem os críticos "enciclopédia", sabem tudo do passado dos realizadores: onde nasceram, as influências, as notas da escola, a primeira curta-metragem, quando é que o filme foi exibido pela primeira vez, os prémios que recebeu, excertos de entrevistas, etc. Comparam o filme actual com um qualquer que a criatura fez há 20 anos e dizem que esse é que era bom. Ficamos sem perceber se o filme vale ou não os 5 euros.
Os críticos "pessimistas" acham que qualquer filme é mau, os filmes bons eram na altura da Maria Cachucha ou de um realizador que nunca ninguém ouviu falar. Acham que o pessoal de hoje em dia não faz ideia do que é realizar um filme, divagam sobre outros filmes com o mesmo tema que, segundo eles, são obras-primas e esquecem-se do filme que deviam criticar.
Há aqueles que contam o filme do princípio ao fim: "O filme começa com o José que é desempregado, entretanto conhece Lúcia, o amor da sua vida, e a mãe dele morre em circunstâncias misteriosas. Todos suspeitam de Lúcia mas o verdadeiro culpado é o cunhado". Estes resolvem-nos o problema: ficamos logo sem vontade de ver o filme.
Existem também os críticos "surrealistas", são capazes de ver um arco-íris no "Branca de Neve" de João César Monteiro. Por alguma razão (que não o excesso de dioptrias), vêem um filme que não é o que o realizador fez. No plano de uma barraca conseguem encontrar uma crítica à sociedade e o facto de existir um arbusto na cena é uma clara menção à política de Bush. O chato é que podemos ficar muito entusiasmados com o filme e depois achar que não percebemos nada (ou pelo menos não entendemos o que o crítico entendeu).
E temos ainda aqueles que não viram filme, copiam as críticas estrangeiras e ficam muito felizes com isso. Sai sempre qualquer coisa como: "filme muito aclamado no festival porco de prata" o que deve querer dizer que é bom ou "o filme passou despercebido nos Estados Unidos" o que não diz nada porque, já se sabe, a opinião dos americanos não interessa nada.
Ora bem, o que é que acontece na realidade? Ninguém liga nenhuma aos críticos e o pessoal vai aos sites onde o público vota. Se há 200 pessoas a votar menos de 3 estrelas, fujam do filme! Nenhum português dá menos de 3 estrelas a menos que os 5 euros que gastou tenham sido mesmo mal gastos! Acima de 4 estrelas começa a ser um bom filme. E depois, acabo por gostar mais dos filmes comerciais do que daquelas "obras de arte" que os críticos idolatram (e que me fazem dormir).
Existem os críticos "enciclopédia", sabem tudo do passado dos realizadores: onde nasceram, as influências, as notas da escola, a primeira curta-metragem, quando é que o filme foi exibido pela primeira vez, os prémios que recebeu, excertos de entrevistas, etc. Comparam o filme actual com um qualquer que a criatura fez há 20 anos e dizem que esse é que era bom. Ficamos sem perceber se o filme vale ou não os 5 euros.
Os críticos "pessimistas" acham que qualquer filme é mau, os filmes bons eram na altura da Maria Cachucha ou de um realizador que nunca ninguém ouviu falar. Acham que o pessoal de hoje em dia não faz ideia do que é realizar um filme, divagam sobre outros filmes com o mesmo tema que, segundo eles, são obras-primas e esquecem-se do filme que deviam criticar.
Há aqueles que contam o filme do princípio ao fim: "O filme começa com o José que é desempregado, entretanto conhece Lúcia, o amor da sua vida, e a mãe dele morre em circunstâncias misteriosas. Todos suspeitam de Lúcia mas o verdadeiro culpado é o cunhado". Estes resolvem-nos o problema: ficamos logo sem vontade de ver o filme.
Existem também os críticos "surrealistas", são capazes de ver um arco-íris no "Branca de Neve" de João César Monteiro. Por alguma razão (que não o excesso de dioptrias), vêem um filme que não é o que o realizador fez. No plano de uma barraca conseguem encontrar uma crítica à sociedade e o facto de existir um arbusto na cena é uma clara menção à política de Bush. O chato é que podemos ficar muito entusiasmados com o filme e depois achar que não percebemos nada (ou pelo menos não entendemos o que o crítico entendeu).
E temos ainda aqueles que não viram filme, copiam as críticas estrangeiras e ficam muito felizes com isso. Sai sempre qualquer coisa como: "filme muito aclamado no festival porco de prata" o que deve querer dizer que é bom ou "o filme passou despercebido nos Estados Unidos" o que não diz nada porque, já se sabe, a opinião dos americanos não interessa nada.
Ora bem, o que é que acontece na realidade? Ninguém liga nenhuma aos críticos e o pessoal vai aos sites onde o público vota. Se há 200 pessoas a votar menos de 3 estrelas, fujam do filme! Nenhum português dá menos de 3 estrelas a menos que os 5 euros que gastou tenham sido mesmo mal gastos! Acima de 4 estrelas começa a ser um bom filme. E depois, acabo por gostar mais dos filmes comerciais do que daquelas "obras de arte" que os críticos idolatram (e que me fazem dormir).
terça-feira, outubro 10, 2006
Quando é que mudou?
A respiração volta devagarinho ao normal, o batimento cardíaco continua rápido e o meu corpo brilha do suor que ainda não foi absorvido pelo que resta do lençol... Agora já consigo pensar, consigo partilhar o que penso de ti, de nós. Assusta-me pensar até onde que chegámos. Olho para ti, um sorriso cansado mas sincero, olhos meigos que realmente se preocupam comigo.
Como chegámos até aqui? Evito pensar em toda a minha família, evito pensar na tua. O que realmente me preocupa é: quando é que passámos a conhecer-nos demasiado bem? Quando é que passámos a precisar um do outro? Quando é que passou a ser verdadeiro?... A situação assusta-me um pouco, não te consigo ver sem me imaginar a tirar-te a camisa e ao mesmo tempo não compreendo como arrasto a situação sem mexer um dedo para lhe colocar um ponto final ou talvez um inicial, apesar de tudo.
Conta-me o que sentes, conta-me porque me queres, conta-me porque é que pensaste que eu era a mulher da tua vida. Conta-me como vamos ter um futuro doce sem dificuldades, conta-me enquanto estás aqui comigo a sorrir e a olhar-me nos olhos. Conta-me histórias...
Como chegámos até aqui? Evito pensar em toda a minha família, evito pensar na tua. O que realmente me preocupa é: quando é que passámos a conhecer-nos demasiado bem? Quando é que passámos a precisar um do outro? Quando é que passou a ser verdadeiro?... A situação assusta-me um pouco, não te consigo ver sem me imaginar a tirar-te a camisa e ao mesmo tempo não compreendo como arrasto a situação sem mexer um dedo para lhe colocar um ponto final ou talvez um inicial, apesar de tudo.
Conta-me o que sentes, conta-me porque me queres, conta-me porque é que pensaste que eu era a mulher da tua vida. Conta-me como vamos ter um futuro doce sem dificuldades, conta-me enquanto estás aqui comigo a sorrir e a olhar-me nos olhos. Conta-me histórias...
sexta-feira, outubro 06, 2006
Fado triste
Como almocei mais cedo do que o normal, em vez de ver as notícias fui "presenteada" com um programa da manhã (menos mal porque era na RTP1). Parece que hoje é dia de festejo, acredite-se ou não, estão a festejar o facto da Amália ter morrido há 7 anos. Eu sou a favor de aproveitarmos todos os momentos para festejarmos, quer alguém tenha morrido ou não.
Ok, eu não percebo nada de fado.. é verdade. Sei o nome da Amália pela mesma razão que sei o do Eusébio (não tem nada a ver com lontras) e já vi mais vezes um remate do Eusébio do que ouvi um fado da Amália. Aquele tipo de música não me puxa nada, não sou capaz de ouvir e deliciar-me. Mas posso opinar na mesma: que raio de caretas são aquelas?! Eu sei que os guitarristas têm a mania de fazer caretas ou meter a língua de fora quando prolongam uma nota aguda, mas o que é aquilo? Eu nem ouvi o que é que a Kátia Guerreiro estava a cantar, a minha atenção estava toda na cara que espelhava um sofrimento terrível, um verdadeiro parto sem epidural a cada sílaba. O queixo estava apontado para o PoSAT e a cara de sofrimento a olhar para o tecto só fazia pensar em que tipo de tortura inquisitória é que o tecto lhe estava a infligir. Anda aí tanto actor que não sabe fingir sofrimento e afinal basta aprender a fazer um playback de uma fadista! A única parte chata é mudar o argumento para ter o criminoso a atacar sempre por cima.
Como não estavam satisfeitos, resolveram levar dois guitarristas e procurar populares que quisessem cantar um fado "amaliano". Numa escolha que me pareceu perfeitamente lógica, foram ao mercado do Bulhão. Curiosamente aquilo não caiu e nenhuma mulher tinha sotaque do norte. Acho que as reportagens sobre o fecho do mercado são fictícias, quando se deu a confusão toda não havia uma entrevistada que falasse sem sotaque.. seriam figurantes?
Aí percebi finalmente o sofrimento da Kátia Guerreiro, tive um momento de escuridão total: aquelas "fadistas" resolveram abrir a goela e nuns minutos que duraram uma eternidade mostraram que é possível saber de cor uma música, ouvi-la mil vezes por dia, adorar a Amália e não acertar numa única nota, bravo! Os meus tímpanos pediam clemência, o meu queixo deixou-se cair de terror e desconfio mesmo que as celulazinhas que interpretam o som para sinais eléctricos estavam a planear um suicídio colectivo. A felicidade é que no meio de tanta tragédia, o microfone deixou de funcionar (partiu-se), entregou a alma ao criador e aposto que nunca pensou que pudesse vibrar tão sofrivelmente sem ter sentimentos.
Sim senhor, aquilo é o que eu chamo de homenagem! Ou talvez de crime público, não sei.
Ok, eu não percebo nada de fado.. é verdade. Sei o nome da Amália pela mesma razão que sei o do Eusébio (não tem nada a ver com lontras) e já vi mais vezes um remate do Eusébio do que ouvi um fado da Amália. Aquele tipo de música não me puxa nada, não sou capaz de ouvir e deliciar-me. Mas posso opinar na mesma: que raio de caretas são aquelas?! Eu sei que os guitarristas têm a mania de fazer caretas ou meter a língua de fora quando prolongam uma nota aguda, mas o que é aquilo? Eu nem ouvi o que é que a Kátia Guerreiro estava a cantar, a minha atenção estava toda na cara que espelhava um sofrimento terrível, um verdadeiro parto sem epidural a cada sílaba. O queixo estava apontado para o PoSAT e a cara de sofrimento a olhar para o tecto só fazia pensar em que tipo de tortura inquisitória é que o tecto lhe estava a infligir. Anda aí tanto actor que não sabe fingir sofrimento e afinal basta aprender a fazer um playback de uma fadista! A única parte chata é mudar o argumento para ter o criminoso a atacar sempre por cima.
Como não estavam satisfeitos, resolveram levar dois guitarristas e procurar populares que quisessem cantar um fado "amaliano". Numa escolha que me pareceu perfeitamente lógica, foram ao mercado do Bulhão. Curiosamente aquilo não caiu e nenhuma mulher tinha sotaque do norte. Acho que as reportagens sobre o fecho do mercado são fictícias, quando se deu a confusão toda não havia uma entrevistada que falasse sem sotaque.. seriam figurantes?
Aí percebi finalmente o sofrimento da Kátia Guerreiro, tive um momento de escuridão total: aquelas "fadistas" resolveram abrir a goela e nuns minutos que duraram uma eternidade mostraram que é possível saber de cor uma música, ouvi-la mil vezes por dia, adorar a Amália e não acertar numa única nota, bravo! Os meus tímpanos pediam clemência, o meu queixo deixou-se cair de terror e desconfio mesmo que as celulazinhas que interpretam o som para sinais eléctricos estavam a planear um suicídio colectivo. A felicidade é que no meio de tanta tragédia, o microfone deixou de funcionar (partiu-se), entregou a alma ao criador e aposto que nunca pensou que pudesse vibrar tão sofrivelmente sem ter sentimentos.
Sim senhor, aquilo é o que eu chamo de homenagem! Ou talvez de crime público, não sei.
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