segunda-feira, janeiro 07, 2008

Fairy Tale II: O Bernardo

Eu e a Clara estávamos extasiadas para conhecer o pretendente Bernardo. Este senhor tinha enviado a carta mais rococó de que há memória neste reino. Uns floreados incríveis que me levaram três dias para identificar apenas a primeira letra da carta. Decidimos logo que eu nunca me poderia casar com alguém chamado Bernardo de Santa Maria Vasconcelos e Melo da Silva Rodrigues e Pereira. No entanto, o meu pai estava maravilhado por saber que o senhor era rico e tinha um caso de gémeos na família, alguma tia em terceiro ou quarto grau. Assim que ele chegou, confesso que me faltou o ar. A minha ideia de alguém com aquele nome era pelo menos uma certa dose de cabelos brancos, uma barriga de gestação de 14 meses e um falar muito afectado, além de sapatos com o bico enrolado, o que está completamente fora de moda!!

Qual o meu espanto (só o meu, a Clara continuou impassível) quando entrou um moço novo no castelo, galante e que se apresentou como sendo o esperado Bernardo. Eu confesso que arregalei os olhos quando vi que não lhe faltava um dente sequer! Tinha olhos da cor dos meus e cabelo louro ligeiramente ondulado. "Uau!" exclamou a minha vozinha interior. Passei a tarde a sorver tudo o que ele dizia, apesar de não perceber metade. Efectivamente tínhamo-nos enganado porque o Bernardo não tinha voz nasalada, mas era "sopinha de massa" e cuspia ligeiramente tudo o que estava num raio de cinco dedos. Eu estava maravilhada e limpava gentilmente as pequenas gotículas de saliva que teimavam em atravessar a mesa que nos separava.

No final da tarde, o meu pai convidou-o a conhecer o jardim comigo e com as minhas aias. Conseguia ouvir as três a suspirar a cada palavra sem "s" pronunciada naquela voz melosa. Quando começava alguma sucessão de palavras "difíceis", cada uma delas levantava ligeiramente o leque e emitia um risinho nervoso e extremamente irritante. Eu fingia que o ouvia porque nem conseguia concentrar-me, tal era a certeza que estava ali a minha alma gémea. A Clara insistia que havia algo de errado e eu dizia-lhe que ela não estava habituada a ter menos atenção que eu! Que este era o meu cavaleiro andante! Já tinha pedido a minha mão em casamento sem olhar para mais nenhuma dama. Eu estava convencida do amor eterno que sentia pelo Bernardo e até andava a praticar o meu nome acabado em "...Silva Rodrigues e Pereira". A única coisa que me preocupava era se no dia do casamento ele tinha que dizer o nome completo virado para mim... o "Santa" e "Silva" causavam-me alguma inquietação já que não podia levar o leque.

A poucos dias da boda e com o castelo em alvoroço, eu dormia cada vez menos com tanta excitação. Quando a costureira me trouxe o vestido de noiva, não fui capaz de o despir e fartei-me de rodopiar pelo quarto a sentir-me a mulher mais bonita do mundo. Durou até a Clara começar com um questionário: "mas ele já tentou agarrar a tua mão?", "beijar-te?", "aproximar-se de ti?". Revi mentalmente os últimos dois meses e realmente não havia qualquer indício de tentativa de proximidade, mas isso era decerto porque ele era muito pudico, apressei-me a explicar. Fiquei a moer nas perguntas da Clara e, como não tinha sono, resolvi dar um passeio nocturno para arejar. Já cá fora, ouvi umas vozes "oh meu amor, que bom é sentir-te novamente!".. chuac... chuac... "Xiu, vem aí alguém!". Eu estava acostumada aos encontros nocturnos e “secretos” da gente do palácio (visto toda a gente parecer ter vida privada menos eu), portanto não liguei. No entanto, conforme me afastava, algo me dizia que não devia ir já para o quarto. Simulei os passos para a saída, descalcei-me e lá voltei eu, vestida de noiva, sem fazer barulho para me esconder atrás de um pilar. Esperei que a conversa retomasse: "Como é possível que não acredites no que sinto depois de tudo o que estou a fazer para estar mais perto de ti?"

Soou um alarme cá dentro... aquela voz era demasiado familiar. Tentei sair do pátio porque já não queria ouvir mais nada, mas parei quando senti que as duas figuras caminhavam na minha direcção. Encolhi-me o mais possível e sustive a respiração. "Sabes que o rei espera descendência rápida, não sabes?", "Sei sim, não me fala noutra coisa... já nem sei que mais fazer para manter a distância dele e da filha dele, qualquer dia fico com a boca seca de tanto cuspir!". Foi a gota de água! "BERNARDO!!!" - gritei a plenos pulmões. A Clara apareceu vinda não sei de onde com uma tocha e metade das pessoas da casa acudiram à varanda para não perder o espectáculo. Aí estava eu, descalça, vestida de noiva, a chorar q nem um bebé e, agora sim, a cuspir a cara do meu ex-noivo com lágrimas, saliva e outros fluidos corporais que saem do nariz: "COMO FOSTE CAPAZ? EU FARIA TUDO POR TI! E... TU TRAIS-ME COM.... O LUÍS????"...

Não vale a pena entrar em detalhes sobre o que se passou em seguida. E assim acabou o meu noivado com o Bernardo, o homem dos perdigotos conscientes.

3 comentários:

  1. Aposto que ele ficou com inveja! Devia gostar imeeeeeeeeeeenso do vestido de noiva...

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  2. Lindo, lindo lindo! venham os outros dois pretendentes e de preferência um final feliz para a princesa e para a sua Clara! :)

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  3. W.: Quem sabe não teve direito a um! ;)

    Ana: Já aí está mais um pretendente e é um conto de fadas, pois claro!***

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