quinta-feira, janeiro 17, 2008

Fairy Tale IV: O Pedro (parte I)

O meu último pretendente chegou na altura das festas grandes. Tínhamos imensos convidados no palácio e era a altura da minha festa preferida: o baile de máscaras. Era a festa que eu gostava mais porque o meu pai deixava de andar de olho em mim (até porque não sabia onde eu andava no meio de tanta gente) e a Clara usava os meus vestidos e pavoneava-se pela sala a convencer toda a gente que era uma imperatriz de um reino longínquo. Os homens então acreditavam religiosamente no que ela quisesse, acho que se ela dissesse que era uma rã transformada em princesa, eles também acreditavam... é por isto que gostamos deles, não é?

Mas voltando um pouco atrás, comecei a trocar cartas com o Pedro uns meses antes do baile de máscaras. Ele escreveu a contar-me que uma tia com quem temos conhecimentos em comum lhe tinha falado em mim e que estava muito interessado em conhecer-me. A nota interessante deste pretendente é que me enviava sempre uma flor cuidadosamente espalmada em todas as cartas. Achei que valia a pena conhecer o "sr malmequer", tal como a Clara o tinha baptizado. Combinámos que ele viria vestido de Robin dos Bosques (apesar de eu não fazer ideia do que isso seria exactamente) e eu disse que ia usar um vestido cor de prata e uma máscara cor-de-rosa com duas penas prateadas do lado direito.

A noite chegou por fim e eu mal conseguia respirar da excitação e do facto de ter o corpete mais apertado do que o habitual para um baile. Fiquei perto da entrada a acenar para todos os homens que entravam e houve um deles que não me causou qualquer dúvida, entrou vestido com um fato castanho, com uma mancha vermelha no peito, e umas mais claras a compor o resto do fato. Não sei porquê, "Robin" assentava-lhe de tal modo que eu não tive qualquer dúvida que estava ali o sr malmequer. Fiz sinal à Clara e fui atrás do meu pretendente.

- Muito bem vindo!
- Boa noite, minha senhora.
- Já me reconheceu? Máscara cor-de-rosa e duas penas de lado!
- Hum... por acaso não! Pensava que era essa a função da máscara...
- Ah e tem sentido de humor! Que bom! Sou eu, a princesa!
- A... princesa? Pensava que a princesa era aquela dama morena ali à entrada.
- Não, essa é a Clara! E sim, está a fazer-se passar por uma dama de sangue azul... e então, vamos dançar?
- Tem a certeza que quer dançar?.... Comigo?
- Claro que sim! Aposto que tem muita coisa para me contar, não é assim?
- Se a senhora assim o diz!...

E lá fui eu rodopiar nos braços do meu passarito que afinal era mais gordinho do que eu tinha imaginado sob a forma “malmequer”. Foi com grande alegria que reparei que ele não tinha qualquer problema na fala, nem atraía demasiados olhares femininos ou masculinos, mas parecia um bocado distraído porque não se lembrava de nenhum dos assuntos que tínhamos trocado nas cartas. Entretanto, a Clara andava a dançar alegremente com um senhor vestido de um modo peculiar, verde esfarrapado dos pés à cabeça e com um barrete cor-de-laranja com uma pena no topo. Achei que eles faziam um casal particularmente bonito, pareciam proporcionais um ao outro. E, o que me espantou mais, foi a maneira como a Clara o olhava. Era a noite de sorte para o cavalheiro de verde! Ao fim de algumas danças bem divertidas, o meu par perguntou-me se queria passear um pouco pelo jardim, ao que eu reagi com um entusiástico sim. É claro que sair do baile e da confusão para dar toda a minha atenção ao sr. Pedro era agradável! Mas tinha que manter a minha distância de dama respeitável, claro. Ele tirou a máscara da cara e eu fiquei de olhos arregalados, tinha à minha frente um homem mais bonito do que estava à espera. É certo que tinha uma barriguinha e que me tinha pisado mais de três vezes durante a dança, mas tinha imensas coisas giras para contar, um sorriso grande e uns olhos acinzentados enormes. Pareciam ser da cor da lua cheia e da minha máscara. Pegou-me na mão durante alguns minutos e eu senti o sangue a subir-me à cara, aposto que estava vermelha que nem um tomate. Como é que ele se atrevia a pegar na minha mão sem me pedir em casamento primeiro??

- Acho que é melhor não fazer isso. - E retirei a minha mão da dele.
- Porquê?
- Porque ainda não me declarou as suas intenções, o que o trouxe cá, tal como tínhamos combinado.
- O que me trouxe cá?.... Como assim?
- Ora, então o que é que o senhor veio fazer a este reino?
- O que é que eu vim cá fazer?... Mas ó minha senhora, eu já cá...

Nesse instante ouviu-se um certo estrondo na sala de baile e corremos os dois para lá. Havia um clarão enorme, uma confusão fenomenal e as pessoas gritavam “FOGO!” enquanto fugiam. Pareceu-me que o grande lustre do salão tinha caído no chão com um estrondo digno de um deus muito irado (pensando nisto agora, acho que a queda de um grande lustre era capaz de ser um grande momento numa peça de teatro!).

- Princesa, é melhor desviar-se que ainda é atropelada por esta gente!
- Não, a Clara está lá dentro! Tenho que ir lá!
- A Clara? Mas não pode! Repare bem na confusão que para ali vai!

Eu tentei entrar mas ele segurou-me com força. Apesar da confusão, senti-me protegida e perguntei-me se segurar numa mão era suficiente para pedido de casamento, o que era equivalente a ter alguém a segurar-nos de modo a impedir qualquer movimento da nossa parte?! Aposto que ficava com má fama até ao final da minha vida... uns 20 anos. Ao fim de poucos segundos, o cheiro a fumo, a quantidade de gente a gritar e a fugir causou-me imensa confusão. Comecei a chorar e tentei soltar-me para procurar a Clara.

- Calma, calma! Pronto, eu vou lá buscá-la. É a senhora que estava mascarada de princesa, não era? Eu vou procurá-la, mas fique aqui!
- Eu fico. Despache-se!!
- Só depois de me prometer que não sai daqui a menos que o fogo venha nesta direcção! Prometa-me!
- Prometo, vá lá, está prometido! Ó homem despache-se!!

E lá fiquei eu a roer as unhas e a desejar que ninguém estivesse a olhar para poder roer as dos pés também. As coisas desenrolavam-se lentamente, como se eu pudesse ver a imagem num tempo estendido... as labaredas tentavam fugir pelos vidros estilhaçados, as pessoas gritavam por água e pediam mais baldes, a noite estrelada permanecia impávida por cima das nossas cabeças. Sentia-me à parte de tudo, o som chegava longe e parecia que os meus olhos não detectavam o movimento imediato. Tentava pensar na Clara, ao mesmo tempo que procurava o meu pai na multidão, apesar de ter a certeza que ele estava a salvo. No meio desta realidade sonhada, senti-me abanada quando ouvi um chamamento que conhecia há anos... Vi-o finalmente e corri para ele: "Pai, pai, pai!!!". Fiquei ali a abraçá-lo enquanto toda a gente acorria com baldes, a gritar ordens e num esforço conjunto para apagar o imenso fogo que projectava as nossas silhuetas tremidas num laranja vivo.

(continua)

2 comentários:

  1. Continuo a achar indecente prolongares assim o suspense, mas... é previlégio de autor! ;)
    O texto está excelente, mesmo!:))

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  2. Bem, é mais porque isto é capaz de cansar se for lido tudo de uma vez e também porque ainda não tinha escrito o final nesta fase... lol

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