sábado, janeiro 05, 2008

Fairy Tale, I

Bem, eu sou uma princesa. Talvez não seja exactamente aquilo que se espera de uma princesa, mas o meu pai é rei, eu sou mimada, temos o nosso pequeno reino e nunca me aventurei para lá das muralhas. Até tenho longos cabelos encaracolados e olhos claros. Quer dizer, os longos caracóis pretos que tenho caídos nas costas são, na verdade, uma peruca. Não é que tenha ficado careca desde que nasci, mas tenho que rapar o cabelo por causa dos piolhos. Na verdade adoro a sensação de frescura quando tiro a peruca antes de me deitar, acredito que um dia as princesas vão poder ter cabelo curto. O meu pai diz que eu só vaticino disparates, mas eu cá tenho as minhas ideias.

Porque é que eu nunca saí das muralhas em vinte e três anos? Bem, para começar, o meu pai sempre me disse que fora das muralhas vivem dragões e gigantes. Eu nunca vi nenhum e não conheço ninguém que tenha visto, começo a achar que ele me pregou a peta do século logo a seguir à fada dos dentes, mas pelo sim pelo não... Além disso, nunca me contaram a história de nenhuma princesa de espada em punho a matar dragões, são sempre os cavaleiros, montados em belos cavalos brancos, que fazem as coisas que sujam mais (incluindo à mesa). Mas se os dragões existirem, espero que nenhum deles goste de carne mal passada... Por falar em cavaleiros, do lado de lá também estão homens e confesso que esta coisa toda dos pretendentes me amedronta um bocado, especialmente porque o meu pai já construiu três alas diferentes para a futura descendência e acha que o facto de eu permanecer solteira é pura e simplesmente a hecatombe que se seguiu ao aparecimento do Robin dos Bosques.

É claro que tenho vários pretendentes, não pelos meus lindos olhos mas basicamente porque sou rica e tenho um título de rei para "oferecer", por assim dizer. Ultimamente, com o vai e vem de pretendentes, apercebi-me que estou na curva descendente da nossa esperança média de vida. Não é que me sinta mais velha, mas não tenho muitos mais anos por viver. Os pretendentes é que são sempre mais do mesmo. Nobres que não têm onde cair mortos e se fingem interessadíssimos numa pessoa que nunca viram antes e tão pouco tentaram perceber como reconhecer-me antes de chegar (as minhas actuais três aias têm uma certa colecção de declarações à custa desses senhores e uma ex-aia casou mesmo!). Os que têm dinheiro, vêm à procura de uma bela donzela... e quando me vêem, demoram-se menos do que o conselheiro quando vem pedir fiado para pagar as dívidas de jogo e é corrido pela mulher à vassourada (ela é a cozinheira do castelo e já se sabe, as paredes têm ouvidos).

A minha maior ajuda no campo de despachar os pretendentes, sem que o meu pai tenha tempo de exercer o seu poder paternal, é a Clara. A Clara é uma criadita negra da minha idade que o meu pai encontrou à porta da nossa casa quando eu também era bebé. A minha mãe morreu na noite em que a Clara chegou e o meu pai interpretou isso como um sinal. Eu e a Clara crescemos juntas e, apesar da diferença abismal da minha "educação" e da dela, somos praticamente irmãs. A Clara não é bem negra, tal como o nome indica. Vê-se claramente que alguns dos conquistadores do novo mundo estão a ser também eles conquistados pelos "povos inferiores". Provavelmente a Clara tem mais educação que eu, não sabe tocar piano nem ler, mas sabe comportar-se melhor na presença das visitas, tem coragem para sair do castelo e tem uma pose que não deixa nenhum homem indiferente. Costuma andar com o traje de criada que eu invejo a cada segundo. Vestidos práticos a lembrar-me constantemente do corpete apertado e daquela monstruosa armação de madeira para dar roda à saia. Essa mesmo construção que nos impede de sentar comodamente, ocupar apenas um lugar no balcão do teatro, aproximar-nos de alguém ou até entrar numa porta mais apertada.

Além de ser a minha melhor amiga, a Clara é a mais bela moça dentro das muralhas do castelo e, provavelmente, do reino. Não é que ela fizesse por se mostrar, todos os dias aparecia vestida da mesma maneira, com as duas tranças caídas e aqueles olhos verdes enormes. Ela não andava... dançava no ar! Eu divertia-me a ver a cara do meu pai enquanto os pretendentes se declaravam e nem olhavam para mim, não desviavam o olhar da Clara desde que ela entrava até sair do salão! Os mais ousados pediam-me para aparecer nalgum baile e faziam questão de notar que as nossas criadas também estavam convidadas para ajudar à festa! Enfim, com a ajuda da Clara consegui despachar todos os pretendentes que quis... os muito velhos, os muito gordos, os muito altos ou demasiado baixos, os demasiado chatos ou demasiado inteligentes. Afinal, ler uma página inteira de um livro ainda era tarefa capaz de me ocupar um dia. E felizmente, o meu pai não precisava de me fazer nenhum casamento por conveniência.

Porem, três dos meus vários pretendentes conseguiram desviar-nos da rotina no castelo: o Bernardo, o João e o Pedro. Apareceram assim... por ordem alfabética e tudo!

3 comentários:

  1. Tende cuidado formosa princesa, para além das muralhas o mundo é atroz...

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  2. mas desviar.... como??? hmm??

    beijos divinus
    Ishtar

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  3. W.: Nem sabes tu quanto!... lol

    Sexus Divinus: vai desviar-se nos próximos posts :P

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