segunda-feira, janeiro 21, 2008

Fairy Tale VI: O Pedro (parte III)

(...)
Ao fim de mês e meio, decidi que se ia morrer deprimida, ao menos ia sair das muralhas por uma vez que fosse. Cheguei decidida à sala do trono e informei o meu pai que ia dar um passeio fora das muralhas do castelo. Penso que ele até ia objectar porque ficou parado de boca aberta e com o dedo indicador da mão direita levantado, mas acabou por assentir com um gesto da cabeça, talvez por me ver simplesmente de pé. De qualquer modo, mandou preparar a carruagem mais segura que tínhamos e ainda enviou um corpo de 10 guardas. Pedi ao cocheiro, o sr Zé, para me levar a ver o mar... queria ver a zona mais bonita do reino com vista para o mar.

O mar era mais longe do que eu pensava. Meti a cabeça de fora da carruagem assim que saímos das muralhas e fui admirando o reino, os transeuntes e o mau cheiro. Ao fim de algum tempo, resignei-me a tapar o nariz e a respirar pela boca. Assim que saímos da zona populada, o mau cheiro dissipou-se, mas era tudo muito à base de árvores e pedras, chateei-me rapidamente. O tempo arrastava-se na curiosidade em conhecer o mar e a falta de alguém com quem falar, a Clara recusava-se a sair.

A carruagem eventualmente parou e eu saí, um bocado a medo. Fiquei arrepiada quando vi o mar pela primeira vez. Era lindíssimo! Cheirava melhor do que qualquer perfume que já me tinham vendido. Aproximei-me devagar, até deixar de existir terra debaixo dos meus sapatos, apenas areia onde me enterrei ligeiramente. Vi as ondas rebentarem e aos poucos fui perdendo o medo da espuma branca que ia e vinha. Fiquei hipnotizada durante bastante tempo naquela visão, enquanto os caracóis da peruca se desenrolavam ao vento. Só acordei quando reparei que o som das ondas me estava a dar vontade de usar a latrina, o mais rapidamente possível. Como era uma princesa, achei que podia evitar aliviar-me atrás de um arbusto e dirigi-me a uma cabana simpática que estava ali por perto. É curioso pensar que a cabana tinha uma vista melhor do que todas as janelas do castelo. Conforme me ia aproximando, reparei que havia alguém sentado à porta da cabana, estava virado para o mar e, portanto, de costas para mim. Corri (dentro dos possíveis) até à pessoa e, conforme ela me ouviu chegar (ou talvez a chiadeira dos dez guardas que vinham comigo), levantou-se num pulo e virou-se para nós. Assim que me viu, andou dois passos para trás e eu fiquei de boca aberta depois de um dramático “oh!”. Passados uns segundos de hesitação, e passada a fúria de o saber ali no reino e nunca ter tentado contactar-me, fiquei tão feliz que tentei chegar-me perto dele, mas ele insistia em afastar-se mais a cada passo que eu dava na direcção dele. Sem outro remédio, gritei ligeiramente:

- O que é que se passa? Não se lembra de mim?! Sou a princesa!
- Claro que lembro!... Mas o que faz aqui? - gritou ele.
- Vim à procura do mar!
- Do mar?!
- O que disse?... Temos umas coisinhas por esclarecer, não?! - Enchi os pulmões de ar - Mas primeiro que tudo, posso usar a latrina da cabana? É assim urgente, obrigada!

Passados uns momentos de confusão, ele sorriu (já me tinha esquecido que era um sorriso tão grande!) e assentiu. Quando eu voltei, passámos o resto da tarde a conversar. Eu estava deveras impressionada com o mar, na verdade, até me apetecia descalçar e sentir a areia molhada nos pés. Aprendi que o nome dele era Ricardo e que não descendia de nenhuma família real, aliás, só tinha ido ao palácio porque tinha um amigo qualquer, ele sim nobre, que gostava de jogar e perdeu o convite para o baile ao jogo. Eu não dizia praticamente nada porque face às aventuras dele, a minha vidinha de princesa era um tédio de morte. Mas gostava tanto de estar com ele que voltava dia após dia e aprendia imensas coisas novas: aprendi a descascar maçãs, a usar uma fisga, a pescar com uma linha e que não existem dragões (mas eu já suspeitava desta!). Ao fim de alguns meses e sem qualquer pedido de casamento da parte do Ricardo, enchi-me de coragem e disse ao meu pai que já tinha escolhido um marido para mim, mas que não era de sangue azul. Curiosamente, o meu pai ficou contente (suponho que não era o segredo melhor guardado do castelo), mas ao mesmo tempo, não gostou da ideia de ter que nomear outra pessoa para seu sucessor. Depois de lhe prometer que continuava a viver no castelo com ele, fui pedir a mão do Ricardo. Ele ficou bastante chocado com minha decisão, mas quando a voz dele voltou, deu-me um decidido “sim”! No entanto, tinha mais um pedido a fazer-lhe: queria uma festa grande e convidar muita gente dos vários reinos, assim uma despedida da realeza em grande!

A Clara fez um esforço enorme para se mostrar feliz por mim, e até vibrou com o meu vestido de noiva que toda a gente já conhecia... Os conselheiros do reino chegaram à decisão unânime de que eu estava maluquinha de todo, mas a cerimónia começou como estava prevista com a chegada do Ricardo muito elegante, até tinha perdido a barriga para o evento e tudo! Mas eu estava algo inquieta pela falta de um convidado em particular... Acabou por chegar, atrasadíssimo, mas chegou. Entrou no final da cerimónia e com estrondo tal que toda a gente se virou para trás. O Ricardo segurou-me a mão com medo que fosse algum outro pretendente e eu retribuí com um grande sorriso. Quando a Clara olhou para trás e o viu, não houve decência que ficasse de pé! Arregaçou o vestido, correu a nave toda em direcção à saída e saltou para os braços do sr malmequer como se não houvesse amanhã. O beijo que se seguiu valeu-lhes uma expulsão da cerimónia, mas teve direito a muitos risos cúmplices. Coitado do Pedro, esquecer a Clara é uma tarefa impossível, eu própria não fui capaz durante o planeamento do meu casamento.

O sr malmequer ficou connosco durante alguns dias até confessar que tinha renunciado ao trono, os pais não aceitavam aquele casamento. A única pessoa que estava do lado dele era a tal tia que tínhamos em comum e que o tinha acompanhado até ali. O sr malmequer crescia a olhos vistos na minha consideração, já a tia dele crescia aos olhos do meu pai que se desdobrava em atenções para com a senhora!

Ao fim de alguns dias de discussão com o meu pai, chegámos os dois a um acordo importante. A Clara seria reconhecida como legítima herdeira ao trono, e como tal, tinha direito ao trono que eu tinha renunciado. Como o Pedro era de sangue azul e tinha sido criado para ser rei, podia governar o reino melhor do que qualquer um de nós, além do meu pai. Quando demos as novidades à Clara e ao Pedro, eles choraram durante quase uma hora e, no meio de tantos soluços, não percebi nada do que eles disseram.

Passados alguns anos, posso dizer que o castelo está mais cheio de vida do que nunca! As três alas do castelo, que antigamente estavam vazias, fervilham de actividade. Eu fiquei numa, a Clara na maior... e o meu pai e a sua nova esposa na outra! É fenomenal ver o meu pai a brincar com os netos e as boas relações entre esta família ampliada de forma tão rápida. Toda a gente ajuda nos assuntos governamentais, mas a palavra final é sempre a do meu pai, seguida da do Pedro e da Clara. Aos fins-de-semana saímos sempre das muralhas, normalmente para um piquenique à beira-mar, onde nos descalçamos e corremos a tarde toda.

Arrisco-me a dizer que vivemos assim... felizes para sempre.

4 comentários:

  1. Ó... que grande final!!! :D

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  2. Tinha que acabar à beira-mar! :))
    Adorei!
    "Aprendi a descascar maçãs"... lindoooo! ;)
    Para quando o próximo conto de fadas?

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  3. Primeiro que tudo, MUITO OBRIGADA pelo entusiasmo mostrado em redor desta história que eu, sinceramente, achei que ninguém ia ler. Princesas e coisas assim, tão estranhas a este blog e talvez só roçados pelo "Era uma vez na Arábia" (que até gosto mais que esta) não anteviam grande interesse! Ainda para mais, fui colocando à medida que ia escrevendo e o desastre podia estar iminente nas partes finais sem grande enredo pensado.

    Tudo isto para dizer que escrevi esta história simplesmente porque me apeteceu disparatar e que fiquei muito mais livre para escrever mais disparates neste blog! Obrigada por serem leitores tão curiosos! :D

    Artemysa: Ainda bem que gostaste e pela dica! ;)

    Aurora: O mar tem destas coisas não é? Quanto aos contos de fada, não sei o que dizer, logo se vê para que lado é que o vento sopra!***

    W. obrigada*

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