quarta-feira, junho 08, 2011

O Dia da Chuva Laranja: Parte I

Ao Diogo pela frase que me inspirou a escrever isto e à Aurora por tudo e mais alguma coisa! E cá vai disto:

"O tempo está esquisito."
"Agora que falas nisso, escureceu de repente, não foi?" e olhou para cima. "Está tão cinzento... Hum, estão a aparecer manchas cor-de-laranja?!"

O Rodrigo mal tinha terminado a frase quando as nuvens decidiram que estavam fartas de carregar peso alheio e deixaram-no cair. No entanto, por entre as habituais gotas gordas de chuva haviam umas com uma forma deveras peculiar, já para não falar na cor.

"Eh lá, mas o que é isto?!"
"Cheira a... camarão?!”
"Pois, é camarão. Mas não era bem isso que eu queria dizer". Coçou a cabeça numa tentativa de meter os neurónios em fila indiana. "Era mais: olha, está a chover camarão! Hum, acho que perdi a linha de raciocínio" e fechou os olhos.
"Estás a sentir-te bem?"
"Estou a ver se acordo porque este sonho está a ficar deveras parvo!"
"Sonho? Mas tu estás acordado!…"
"Não estou não!… Au!! Para que é que foi isso?"
"O beliscão foi para provar que estavas acordado, a dor e a mancha vermelha que tens agora no braço são para provar que estamos no mundo real."
"Mas ó João, tu achas mesmo que eu vou lutar contra o meu próprio subconsciente? Vou esperar que isto passe e que o despertador toque."
"Aqui o João tem a certeza que está a chover camarão e vai ali refugiar-se debaixo daquela varanda porque os bigodes dos bichos aleijam!"
"Por acaso as cabeças estão a cair a uma velocidade incrível! Mesmo estando a sonhar, é melhor ir contigo porque já vi que as dores são demasiado realistas..."
"Mas qual sonhar, pá? Está mesmo a chover camarão! A ver se arranjo um saco de plástico..."
"Para quê?" E cuidadosamente apanhou um camarão do chão, separou a cabeça do resto do corpo e começou a descascá-lo. "Hum, isto de chover camarão já cozido foi bem pensado."
"O que é que estás a fazer?!"
"A provar o camarão, o que é que te parece?” Acabou de descascar o camarão e meteu-o na boca perante o olhar incrédulo do amigo. Degustou a iguaria durante uns segundos e comunicou o veredicto final: “Acho que está ligeiramente insosso."
"Mas ficaste parvo de repente ou quê?! Tu és alérgico a marisco!!"
"Estou a sonhar por isso não posso ser alérgico a nada. Além disso, não é camarão de Espinho nem de Moçambique, é camarão do céu! O médico nunca referiu nenhuma alergia a este tipo de camarão."
"Espero que o teu sonho se tenha lembrado de dar-te um anti-histamínico, senão vou ser eu a levar-te ao hospital" e continuou a apanhar o camarão para um saco de plástico. Passados alguns minutos, a voz do Rodrigo juntou-se ao ritmo do camarão a cair.
"Hum... por acaso estou a sentir-me um bocado esquisito. Será que é desta que vou acordar?"
"Ah! Vais acordar com certeza, mas enquanto isso vens comigo ao hospital porque a tua cara está a ficar mesmo bonita!!"
"Tenho manchas? Bolas, que sonho mais realista! A minha garganta também está a ficar esquisita..."

O João tentou disfarçar o pânico que sentia cada vez que olhava para a cara do amigo: as variações do tom de pele e de forma pareciam saídas de um filme sem orçamento para efeitos especiais decentes. Olhou à volta para ver se podia pedir ajuda a alguém mas a rua estava deserta, provavelmente tinham ido todos para uma zona mais aberta apanhar camarão. E o raio do telemóvel teimava em não dar sinais de vida!... Seria da tempestade de camarão? Viria maionese a seguir?! Obrigou-se a deixar de pensar em coisas parvas e empurrou o Rodrigo na direção do hospital. Será que os camarões tinham inutilizado alguma antena? Ou seria demasiada gente pendurada na rede a enviar fotografias da chuva de camarão? Lançou um último o olhar ao amigo antes de começar numa grande correria e tentou concentrar-se: “Primeiro chegas ao hospital e pedes ajuda, depois podes pensar no que te apetecer!... Podes inclusivamente pensar na Rita num dia em que se tenha esquecido de vestir completamente e chegue à escola em roupa interior. Humpf! O hospital!! Concentra-te, por favor!”

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