O Rodrigo voltou-se quando sentiu que alguém tinha entrado no quarto. Sorriu para o João e voltou-se de novo para o extra-terrestre que já não estava lá.
“Bem, acabei de ver umas coisas incríveis!! Sabias que as cabeças de camarão podem ter velocidade suficiente para abrirem buracos na pele? E ficarem presas o suficiente para nem conseguires tirar a puxar pelos bigodes? Ah e os bigodes a saírem dos narizes dos putos? Isto é incrível! Nunca pensei que um hospital pudesse ser tão educativo!” Os olhos do João brilhavam com as memórias de todo o conhecimento recém adquirido. “Então e tu? Como te sentes? Já acordaste de vez?”
“Não sei... achas que o subconsciente sabe coisas que nós não sabemos? Assim coisas que lemos e achamos que esquecemos mas que ficam cá?”
“Já vi que não!... Mas vou dar-te o desconto por causa da medicação que te deram.”
“Estava aqui alguém comigo quando entraste?”
“Não, tens estado sempre sozinho. Mas se continuares assim, eu prometo que digo aos médicos que sofreste uma concussão!...”
“Se calhar... sabias que os signos dependem da constelação onde o sol está quando nasce?”
“Não fazia ideia e também não vou perguntar a que propósito vem isso... vou mas é ligar a televisão para ver o que se passa lá fora.”
A televisão funcionava e apesar da habitual ‘chuva’ de que todas as televisões dos serviços públicos parecem sofrer, era claro que o assunto do dia era a chuva de camarão. Os pescadores estavam muito preocupados com o futuro da profissão e a União Europeia tinha suspendido toda e qualquer pesca de camarão até futuros desenvolvimentos.
“Pergunto-me se é desta que fico enjoado de camarão?...”
“Devias, até porque és alérgico.”
“Pelo menos posso dizer que provei camarão do céu!...”
“... E que achaste que estava insosso?”
“Acho que Ele devia trocar de serviço de catering.”
O João não evitou uma gargalhada.
“Bem, estou a ver que estás praticamente de volta. O que é uma ótima notícia porque o médico disse-me que quando te sentisses melhor podias ter alta imediatamente, parece que o hospital está a rebentar pelas costuras.”
“Há assim tantos alérgicos a marisco?”
“Aparentemente sim, mas tirando tu que foste o único idiota que comeu de facto um camarão, nenhum outro caso de alergia precisou de ocupar uma cama! Há muitos ferimentos causados pela queda de camarões a alta velocidade e há gente em macas no corredor à espera de camas.”
“Ok, não batas mais no ceguinho! Eu já me sinto bem e podemos ir embora.”
“E essa tua alergia só se manifesta por ingestão? É que ainda há muito camarão espalhado no chão... achas que podes andar lá fora sem problema?”
“Se eu sobrevivi ao teu saco de camarão à entrada do quarto, palpita-me que sobrevivo à rua.”
O João sorriu um pouco embaraçado e foi até à beira da cama para ajudar o amigo a levantar-se. Assim que comprovou que o Rodrigo conseguia comportar-se como um perfeito bípede, o João foi buscar o saco de camarão e desligou a televisão sem reparar que estavam a passar novas e bizarras notícias a partir de um helicóptero da ‘Caras’.
“Se calhar era melhor telefonares aos teus pais? Para avisar que está tudo bem?”
“Esqueci-me do telemóvel em casa.”
“Queres que eu telefone?”
“Não sei o número de cor. E falando nisso, por acaso não tens por aí o número da Madalena? É que fiquei de encontrar-me com ela esta tarde... e sou capaz de estar ‘ligeiramente’ atrasado.”
“Não tenho o número dela não, mas posso perguntar à Rita.” E tirou o telefone do bolso. “Afinal não, ainda não há rede.”
“A Madalena vai matar-me!”
“E com razão!... Mas pronto, vamos lá fazer isto por ordem: primeiro vamos a tua casa para falares com os teus pais e depois telefonas à Madalena. De atrasado já não passas e pode ser que a rede volte entretanto.”
“Parece-me um bom plano, mas queria fazer outra coisa primeiro.”
“O quê?”
“Em que andar é que estão os putos com os bigodes de camarão a sair do nariz?”
“Ah! Boa escolha! Ora segue aqui o ‘João GPS’: vou mostrar-te imagens inéditas...!”
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