“Não podemos ficar aqui a olhar, temos que fazer alguma coisa Madalena!”
“E queres fazer o quê? Picar cebola?!”
“Haha!... Olha o que está a acontecer por onde eles passam! O ranho deles é tóxico ou quê? Está a desfazer a cidade!!”
“Bem, eu tenho que ir ver do Rodrigo... E não há maneira de ter rede!”
“É melhor ficarmos aqui em cima, é mais seguro.”
“Então não eras tu que querias um bocadinho de ação?!”
“Sim, mas não era propriamente para ir ter com o Rodrigo, era para destruir aqueles caracóis gigantes antes que eles destruam a minha casa!”
Os caracóis, que como toda a gente sabe são criaturas sensíveis que levam facilmente estas coisas a peito, sentiram a animosidade da Rita e começaram a subir a parede do prédio, devagar. Ou então foi apenas um infeliz encadeamento de acontecimentos vagarosos que levou a que um dos caracóis começasse a subir a parede do prédio.
“Madalena, eles vêm aí!!”
“Temos que ir lá para baixo depressa! Cada caracol tem o quê? Dois metros? Vão subir isto num instante!”
“Com ou sem contar com os cornos?”
“Antenas!!”
As duas correram para a porta de saída do terraço e desceram apressadamente as escadas do prédio. Havia demasiada coisa estranha a acontecer e não tiveram coragem para experimentar o elevador, mais valia não tentar a sorte.
“E o que fazemos assim que chegarmos lá abaixo?”
“Procuramos o Rodrigo!”
A Rita nem conseguiu protestar. Assim que chegaram ao rés-do-chão, a Madalena aproximou-se da porta num movimento muito ‘ninja’ e espreitou para a rua pelo vidro da porta. A costa estava livre, quer de caracóis gigantes quer de pessoas, e ela fez sinal à Rita para avançar. Sem fazer muito barulho (qual seria o grau de audição de um caracol?), abriram a porta e fugiram em direção à casa do Rodrigo. Ou pelo menos na direção contrária à dos caracóis.
“Tens a certeza que sabes ir ter a casa dele?”
“Sim... é por ali!”
A Rita escusou-se a comentar como aquele ‘sim’ soava a ‘acho que sim ou talvez não’. Aliás, não lhe apetecia comentar nada porque estava a ficar extremamente mal disposta e o melhor era ficar de boca fechada. Passados alguns minutos, a Madalena notou que a amiga estava a ficar para trás. Abrandou o ritmo e apesar de querer continuar a correr, acabou mesmo por parar e verificar o que se passava.
“Rita, estás bem?”
“Não me sinto nada bem...”
E como se tivesse esgotado as forças todas para dizer aquilo, a Rita deixou-se cair e sentou-se no chão. Ficou encolhida a agarrar a barriga e a balançar-se devagarinho de trás para a frente.
“Rita!!! O que tens? O que é que estás a sentir?”
“Não sei... estou super mal disposta. Terá sido o camarão?... Se calhar estava envenenado!”
“Quantos comeste?”
“Todos os que me deram?”
“Ó Rita!!... Ai ai, é melhor levar-te a um hospital primeiro! Sabes se existe algum aqui perto?”
A Rita não estava com muita vontade de ir para o hospital, só queria mesmo que a deixassem ali sozinha a curtir a má disposição.
“Hospital? Não sei se é uma urgência assim tão grande... Se calhar se ficar aqui quieitinha isto passa.”
“Duvido, não estás com boa cara e ficar aqui não me soa nada bem!”
“Qual é o mal?”
“Os caracóis do apocalipse e o ranho corrosivo, lembras-te?!”
“Apocalipse? Haha Bom nome!... Ai... não devia rir-me. Oh, por acaso não tens um saco de plástico à mão?...”
“Não, e não quero mesmo saber da tua opinião! Vamos procurar-te um hospital e não há mais conversas!”
“Mas eu não quero sair daqui!”
“Eu também não perguntei o que querias. Vá, de pé! Apoia-te em mim e diz-me onde fica o hospital mais próximo.”
A cara da Rita estava a sofrer uma metamorfose cromática e alternava entre o vermelho do esforço, o bege natural da pele e o verde da fermentação dos camarões. Com muito esforço, a Madalena lá conseguiu levantá-la e tentou carregar a maior parte do peso da amiga (e dos camarões) para avançarem o mais rapidamente possível.
Ao fim de uns minutos, a Rita já tinha parado para vomitar três vezes e a cara dela parecia ter finalmente escolhido o verde como cor permanente. Assustada e extremamente cansada, a Madalena deixou a amiga num banco e tentou procurar sozinha o hospital. Apesar de achar que a amiga estava a delirar e que não havia nenhum hospital ali perto, continuou a procurar num raio razoável e ia tropeçando de alegria quando viu o característico sinal retangular azul com o conhecidíssimo ‘H’ branco. Sentiu logo as forças a voltarem e foi a correr buscar a Rita que também se animou ao saber das notícias, pelo menos a cara dela tinha evoluído favoravelmente de um verde-verde para um verde-amarelo. Uma mudança subtil que muito encorajou a Madalena a arrastá-la até ao hospital.
“Estamos quase lá! Estás a ver? É aquele edifício que faz esquina!”
“Aquele cheio de gente??”
“Não te preocupes, aposto que eles abrem alas assim que te virem!”
“Assim que me virem?... Estou assim tão mal?!”
“Desculpa, não era isso que eu queria dizer!”
A verdade é que a quantidade absurda de gente à entrada do hospital parecia estar ali mais à espera de notícias do que propriamente a aguardar vez para tratamento. Assim que viram as duas raparigas, e principalmente assim que viram a Rita, as pessoas afastaram-se e abriram um corredor direto à receção do hospital. Conseguiram entrar com relativa facilidade - um milagre mesmo - e uma velhota apontou-lhes a máquina de tirar senhas (talvez com medo que elas lhe passassem à frente?). A Madalena sentou a amiga e concentrou-se na dura tarefa que tinha pela frente: descodificar qual a senha certa a tirar. Enquanto isso, uma enfermeira saiu de trás do balcão e entregou à Rita um balde que ainda trazia a esfregona.
“Acabaram-se as arrastadeiras e só sobram os baldes” e empurrou-lhe o balde para a mão. “Mas em caso de necessidade, era preferível que conseguisses chegar à casa-de-banho.”
“Err... obrigada. E a esfregona?”
“É para limpares o que sujares.”
“Mas o balde não tem água?...” A enfermeira ainda se deu ao trabalho de encolher os ombros antes de ir-se embora.
Eh pá, se eu não soubesse diria que andaste a fumar umas coisas fixes... Assim, pergunto só: quando é que começa a chover imperial? É que com camarão e caracóis...
ResponderEliminarEpá, mas toda a gente adivinha frases da história que ainda vão aparecer? Não é justo! :P
ResponderEliminarPois, pelo teor altamente verosímil desta história ainda andei a pensar com os meus botões se valia a pena meter isto aqui. Mas o pessoal parece rir-se e portanto valeu a pena! Hehe
Acabei agora de ler, e... QUERO MAIS! ;P
ResponderEliminarTens umas verdadeiras pérolas neste texto... Adorei o esforço de concentração do João para não pensar em parvoíces, por exemplo! :) Mto, mto bom. Quando é que sai o livro de histórias, mesmo?
W.: a ideia da chuva de imperial está bem vista, de facto... mas tinha que ser mesmo chuva torrencial, para fazer espuma! ;)
Bem, parece que comentámos ao mesmo tempo! Aquele minuto de diferença é suspeito! lol
ResponderEliminarLamento informar que não haverá nenhuma festa de espuma de cerveja, o que é uma pena porque dava uma coisa espetacular, mas agora já vai tarde...
O livro de histórias... ora, talvez o blogger me deixe tornar algumas num volume em pdf! ;)
Sem dúvida que está engraçado! Mas estou curioso para ver o petisco que vem a seguir e como é que isto acaba. É que esta história está a dar-me fome...
ResponderEliminarEu também já comia um pires ed caracol sim! Bem, o final ainda é mais demente do que esta história toda. Não esperes muito dele!... lol
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