quinta-feira, junho 16, 2011

O Dia da Chuva Laranja: Parte VIII

“Quem é que foi a mente brilhante que achou que vir para o terraço era boa ideia?!”
“Não te ouvi a sugerir nenhuma alternativa!”
“Na altura eu não sabia que o hospital tinha dezasseis andares!! Só andei perdido no rés-do-chão!... E a Rita coitada está ali a retomar o fôlego depois de subir isto tudo. E para quê? Nada! Daqui não chegamos a lado nenhum!”
“Acho que quem tem que retomar o fôlego é o João que carregou com a Rita porque tu não deixaste usar o elevador e nem sequer o ajudaste. Mas tens alguma ideia melhor? Ora partilha lá connosco, é o teu momento!”
“Humpf... Os elevadores nem sequer devem ser usados durante emergências!...”

A Rita e o João observavam o espetáculo, ainda que a uma certa distância do casal... não fosse o diabo tecê-las.

“Achas que eles vão sobreviver ao dia de hoje?”
“Se sim, daqui a uns anos recebemos o convite para o casamento. Afinal, o que mais pode acontecer?”
“Hum, é melhor não tentar o destino... ele hoje não tem sido nada simpático connosco!”
“Tens razão.” E afagou-lhe os caracóis. “E tu, como te sentes? Estás com muito melhor aspecto!”
“Pudera, não fiz nada! Tu carregaste comigo até cá acima... Mas sim, sinto-me melhor, até acho que estou a ficar com fome!”
“Ena, isso soa mesmo muito bem e o que não falta por aqui é camarão!”
“Oh por favor! Acho que nunca mais na vida vou comer camarão... sabes o que me apetecia mesmo?”
“O quê?”
“Caracoletas na chapa!”

O João parou por breves momentos a ‘mastigar’ as palavras da Rita, levantou-se e meteu-se no meio da Madalena e do Rodrigo. Aquela parvoíce tinha que acabar.

“A vossa atenção, por favor? Lembram-se de que estamos a fugir de quatro caracóis que, ainda que lentos, são gigantes?”
“Ah sim?”
“Sim... e eu tenho uma ideia! Aliás, foi a Rita que me deu a ideia. O que sabemos nós sobre caracóis?”
“São saborosos?”
“Têm um corrimento nasal horroroso?”
“São criaturas sensíveis.”
“Bom ponto, Rita! E mais?”
“Não ouvem.” A Madalena e a Rita olharam para o Rodrigo ao mesmo tempo.
“Não ouvem? A sério?”
“Sim, são surdos. São uns bichos herbívoros surdos e, tal como a Rita disse, são muito sensíveis e levam qualquer coisinha a mal.”
“Hum, se eu fosse surdo também era desconfiado...”
“Muito bem e se fosses um caracol, o que é que atacavas em primeiro lugar?”
“Uma horta?”
“Não, a nível de vingança!...”
“As tascas e os pires de caracóis?”
“Supermercados que vendem caracóis ao lado de amêijoas de qualidade duvidosa?”
“Vendedores de verduras contaminadas?”
“Acho que já sei!” E viraram-se todos para a Rita: “o Festival do Caracol Saloio de Loures!!”

Uma chama de esperança acendeu-se dentro de todos enquanto o João explicava o plano, agora que tinham um possível alvo dos caracóis. Era arriscado e ia depender de muita gente, mas valia a pena tentar! Entusiasmados com a ideia, mergulharam numa discussão animada onde tentaram limar as arestas do plano e acertar os detalhes mais confusos. Estavam tão embrenhados na conversa que só à terceira abanadela é que repararam que o edifício estava a mexer-se. A Madalena achou que tinha uma possível explicação para o facto.

“A baba dos caracóis é corrosiva! Deve estar a destruir os pilares do hospital... temos que sair daqui depressa!”
“E se voltássemos a entrar e descêssemos pelo túnel da roupa suja até ao primeiro ou segundo andar? Daí deve ser mais fácil sair ou saltar para algum lado!”
“Não só era um valente milagre que o túnel só tivesse roupa no fundo, como a esta hora a cave deve ser uma pasta líquida composta pelos mais variados materiais... babados, vá!”

O hospital abanou novamente e desta vez cedeu e inclinou ligeiramente.

“Bem, não há outra hipótese: temos que sair aqui por cima!”
“E que tal saltar para o edifício do lado? Com esta inclinação... bem, talvez dê se isto inclinar mais um bocado...”
“Não me parece que vá dar, mas aqui é que eu não fico!”

Infelizmente não podiam fazer nada porque o intervalo entre os dois edifícios era intransponível. De vez em quando sentiam que algo chocava contra o prédio, seria a concha de um dos caracóis? Esperaram e desesperaram por um novo movimento do edifício que finalmente chegou. As fundações voltaram a ceder e o prédio inclinou-se um pouco mais. Os rapazes estavam preparados e já à devida distância para ganhar balanço, e assim que perceberam que era aquele o momento certo, correram e saltaram para o edifício do lado. Tanto a Rita como a Madalena fecharam os olhos com força e só quando tiveram a certeza que o característico som de osso a partir não se ia fazer ouvir é que abriram os olhos para espreitar. Mas assim que os viram do outro lado, ganharam coragem e fizeram a mesma corrida antes do salto final. Os rapazes tentaram ajudá-las tanto quanto possível e proporcionaram dois ótimos colchões de queda. Assim que ficaram os quatro de pé, correram até à porta que dava acesso ao interior do edifício. A porta estava aberta e eles não se fizeram rogados. A Rita ainda não estava totalmente recuperada e precisou da ajuda do João para descer as escadas. O breve momento de adrenalina que tinha sentido ao saltar do terraço do hospital tinha desaparecido assim que ela tinha aterrado em cima do João.

Chegaram à rua esbaforidos, mas muito aliviados por ver o alcatrão e o passeio com as formais habituais e sem qualquer sinal viscoso. Depois de uma breve troca de ideias, o João ficou de levar a Rita a casa, apesar dos protestos dela, e passar pelo posto da polícia onde trabalhava um amigo dele. A Madalena seguiu com o Rodrigo que tentava contactar o tio, um grande amigo do presidente da câmara de Loures.

5 comentários:

  1. Eh pá, estou oficialmente curioso! É que nos filmes os bichos falam (ou entendem) inglês... Será que vai ser preciso um interprete para traduzir para inglês, para os caracóis lerem nos lábios e depois irem para Loures?

    E isso não é um plano maquiavélico para levar as "caracolas" para o IKEA e acabar com a vingança por aí?

    Curiosidade...

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  2. Bem, não acredito que ficaste curioso mesmo no final! 'Tá mal! E o resto da história foi para quê? :P

    E não acredito nas ideias todas que me estás a dar, já estou a imaginar a polícia a tentar comunicar com os caracóis em linguagem gestual! Isto assim não dá, fico a achar que a história não usou muitas ideias ótimas. Damn!

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  3. Tens que fazer tipo telenovela, história aberta e ir dando destaque às personagens preferidas... :P

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  4. Bem, dar destaque às personagens preferidas não... isso eu é que decido! lol Mas sem dúvida que tomar atenção às ideias que me fazem rir é uma excelente sugestão! ;)

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