terça-feira, dezembro 11, 2007

Desalinhamento Planetário

Eu costumo andar feliz, é verdade. Só de passar perto de um braço de água e ver o céu reflectido fico bem disposta. Acho piada à chuva, especialmente quando escorrego mas consigo livrar-me de uma queda aparatosa que me faz rir imenso da minha falta de jeito e excesso de sorte. Mas o Natal... que hei-de dizer do Natal? Não sei, se calhar é das músicas de Natal e do ritmo que lembra neve a cair. E desta vez eu já vi cair neve de verdade! Se calhar é da iluminação, lindíssima nalguns pontos e terríveis noutros. É nestas alturas que me meto no carro (normalmente com companhia familiar) e vou devagarinho percorrendo as aldeias. Ninguém tira os olhos das janelas para ver quem encontra primeiro uma casa com uma grande conta de electricidade e demasiadas cores. Ou mesmo bichos estranhos iluminados no jardim. Adoro ver as iluminações que me deixam de olhos arregalados e são acompanhadas de uma gargalhada. Enfim, o esforço conjunto de tentar tornar as coisas mais bonitas tem e deve ser apreciado, seja qual for o resultado final!

É claro que há gente mal disposta e as coisas más continuam a acontecer. Mas isso é igual em qualquer outra data e não tem interesse em si, ao contrário da música nas ruas em repetição e a deixar-nos malucos com sininhos, pais natais terríveis pendurados nas varandas, iluminações duvidosas em todo o lado... onde é que se encontra isto noutra altura do ano? Na televisão, a publicidade fica carregada de brinquedos e os detergentes passam finalmente para segundo plano. Cá não neva ("se cá nevasse, fazia-se cá ski"! Não consegui resistir...), mas também não está muito agradável para tomar banho no mar. No entanto, há uma felicidade qualquer que é capaz de ser gerada pelos putos. Não sei realmente o que é, mas deixa-me feliz andar por aí nesta altura do ano.

E depois existes tu que me me agradeces por coisas que não têm a ver com papeis, escola, família e coisas do dia-a-dia. Não sei como descrever como é estar contigo, se bem que isso só aconteça por caprichos cósmicos. Quando há desgraças ou sortes estranhas e chocamos finalmente num uníssono "não" em "tens alguma coisa para fazer daqui a 20 minutos?". Fico sempre a pensar quando foi a última vez que corri de madrugada não sei para onde a rir-me sozinha. Nunca dá para planear nada e é tudo em cima do joelho. Mas depois é tudo normalíssimo, tanta coisa contar, tanta risada, tanto disparate. Até já temos rotina na nossa falta de rotina! E despedimo-nos com um beijo fugaz ao frio (o aquecimento ficou lá em cima!), porque nunca sabemos exactamente quando e o que vai acontecer depois e mais vale jogar pelo momento. Mas desta vez é quase Natal e até nos esforçámos por ultrapassar os obstáculos lançados pelo desalinhamento planetário que me dá sempre vontade de rir. É estranho saber que pode funcionar mesmo quando há uma combinação prévia e, depois de correr tudo mal como era esperado, parece magia ter-se realizado. Será do Natal que paira no ar? E se eu fizer um desejo de Natal, tu tentas concretizá-lo?...

terça-feira, dezembro 04, 2007

Uma espécie de Magia

No Verão estávamos a falar de uma cantora (cujo nome não é para aqui chamado) e alguém se saiu com um "Oh, she takes herself very seriously!". Rio-me sempre com esta expressão e tenho pena que em português não haja nada do género. Ninguém diz "ela leva-se demasiado a sério!". Efectivamente, achar que somos importantes e que o que pensamos/fazemos interessa aos outros é capaz de ser uma certa forma de egocentrismo e falta de noção de tudo o que existe completamente independente da nossa existência. No entanto, ter diante de nós a prova que a nossa existência não é nada, que o que quer que tenhamos feito até à data não altera em nada o futuro e que as coisas más podem surgir a qualquer momento, é um murro forte daqueles!

Acho que nem consigo bem imaginar o que é ter saudades de preocupações como "pagam-me mal" ou "queria ter um emprego melhor", como tu sabes. Custa-me imenso pensar que cada minuto é capaz de não se repetir e que tem que ser tudo levado com calma. Custa-me pensar que amanhã de manhã é capaz de estar tudo diferente de hoje à noite e que isso é capaz de destroçar completamente a vontade de ver o que se segue. Dizes que cresceste muito nos últimos dias e eu acredito sinceramente que sim, mas custa-me pensar nisso, porque sempre te achei completamente "crescido"... se é que isto tem lógica!

Curiosamente, é Natal. E apesar de uma data de gente se ter esquecido do que eu acho que é o significado do Natal, tu tiveste uma prova belíssima de que o espírito está bem vivo! Foi excelente aquela reunião de amigos... eu não conhecia mais de metade e não via outros há quase uma década, mas depois de alguma conversa inicial, é como se tivesse acontecido tudo ontem. As gargalhadas eram sentidas, a boa disposição (que era afinal o motivo daquilo tudo) estava patente na tua cara e foi óbvio para todos que o objectivo foi atingido, tu estavas genuinamente feliz. Pois é, uns dizem que contam pelos dedos de uma mão os verdadeiros amigos. Tu nem a somar os dedos das mãos e dos pés ias lá, já viste? Já para não falar dos que não puderam estar presentes, mas fizeram questão de enviar uma mensagem, um bolo, um miminho. Isto sim é espírito de Natal, é lembrar as pessoas de quem gostamos que elas são importantes para nós, mesmo que não sejam para os outros ou que nos esqueçamos de relembrar isso durante o resto do ano. Não é por lhes comprar uma TV, uma máquina para tirar cerveja (piada, ok) e coisas caras em geral que as pessoas se sentem mais acarinhadas. Eu adoro quando vem uma dedicatória num livro, um cartão escrito à mão, uma prenda que alguém se deu ao trabalho de personalizar para mim. Até mesmo uma sms com o meu nome ou que indique que não foi enviada em catadupa. É claro que têm mais valor e são aquelas que se guardam no coração e não só na estante. É por isso que peço postais de Natal escritos à mão como prenda de Natal! (E a todos os que fazem isso religiosamente ano após ano, por favor, não parem! :)

Eu acho que aquela reunião de amigos foi o melhor presente de Natal que te podiam dar, face às circunstâncias e às nossas limitações. A noite teve um toque de magia que aposto que se prolongou até à manhã seguinte (e não estou a falar da hora a que saímos de lá!). Cada um deu o seu tempo, disponibilidade, sorriso, abraço, beijos, conversa, humor... cada um deu o que tem de melhor sem ter que andar nos supermercados ou lojas cheias de gente. Cada um tentou fazer-te sentir melhor pela quantidade de sentimentos bons que podes gerar nas pessoas que se juntaram por ti. E nestas alturas apetece dizer para levantares um bocadito a cabeça, depois das notícias que te fizeram sentir à nora do verdadeiro sentido do que estamos a fazer por cá. Acredita que és importante para, pelo menos, duas dúzias de pessoas e podes levar a sério a quantidade de gente que está a torcer por ti!!

Esta magia "inadvertida" de fazer com que os outros se sintam bem com eles próprios e de os fazer sentir especiais para alguém é que é, para mim, o espírito do Natal. Feliz Natal, Bruno! ;)

terça-feira, novembro 27, 2007

Obrigada!!

Tinha prometido a mim própria que ia escrever um post de agradecimento quando (se) isto tivesse mais de 30 mil visitas, e como acabei de reparar que sim, cá vai um agradecimento aos senhores leitores! :)

Espero que continuem a aparecer por cá e, sem saber muito bem como expressar isto por palavras, obrigada por insistirem em ler as ideias que nos cruzam a mente, muitas vezes motivadas por música... Só podia, é a única forma de nos fazer ouvir, ouvir e voltar a ouvir os mesmos textos sem nos cansarmos.

Obrigada por passarem cá, é uma nota de felicidade que vibra sem parar. Sois os maiores!

sábado, novembro 03, 2007

Nós

Não gosto de usar relógio e nunca me deito antes da madrugada. Acho que só consigo pensar tarde e a más horas, e penso demais quando estou deitada. Rio com imensa facilidade de quase tudo, mas sei que também depende da minha disposição. Vejo MotoGP e sou adepta do Rossi, mas faço uma certa resistência a ver televisão. Adoro andar de bicicleta ou mesmo descalça, conduzir e nadar. Mas correr e entrar num ginásio é o pior a que me podem forçar. O mar faz-me sempre sentir em paz e adoro acordar ao som das ondas sem despertador. Sou muito teimosa, sonho muitas vezes acordada e é difícil acordar-me desse torpor. Não sei porque te digo isto tudo, ao fim de tanto tempo é óbvio que já me conheces de cor. Há imensa gente que lida comigo todos os dias, mas tu compreendes-me (sentes-me?) melhor. A nossa relação tem falta de tudo, inclusivamente de relação. Mas não há como fugir-lhe quando sou traída pelo nervosismo sonante do meu próprio coração. Passo a vida a inventar situações e desculpas para poder ver-te, como se disso dependesse o meu tempo. Depois reclamo tanta vez da falta dele, como quando estou contigo, por exemplo. Estava mesmo a pensar em nós e comecei por falar de mim. Suponho que é mais fácil começar por um do que a dois, pelo fim. Soa a confessionário, mas sinto sempre que não tenho nada inteligente para te dizer. Não sei se alguma vez vais voltar, suponho que não é isso que queres, mas sabes que estaria lá para te receber. Assim como quando sonho acordada, é contigo que sonho invariavelmente. Sei que fui infiel aqui e ali, mas tu também e não me sinto culpada de nos termos provocado mutuamente.

Contigo tudo era fácil, parecia que os problemas não existiam. Acho que voavam ao mesmo tempo com que a roupa ia caindo e os beijos persistiam. Apetece-me dar-te os poucos neurónios que me restam, os braços, as mãos e o que me sustém de pé. Mas sei que não os queres e, apesar de tudo, ter-te para mim é das poucas coisas em que ainda tenho fé. A tua presença incomoda-me quase tanto como me atrai, mas quando apareces sinto-me forçada a desviar o olhar. Penso que sentiria a tua presença numa multidão sem fim, porque o teu corpo faz o meu vibrar. Sinto-me tonta, parva e prometo a mim própria que não volta a acontecer. A sorte é que só me desiludo a mim e não te apercebes do que me está a acontecer. Continuo sem ver futebol (apesar de querer saber quem ganhou), gostar de computadores e fazer contas de cabeça. Aprendi que sou alérgica ao calor, mas nunca mais desmaiei porque evito fazer coisas que puxem por mim até que arrefeça. Gosto de ver filmes pela noite dentro, de não aparecer em fotografias e de filmar detalhes. Apesar do sorriso fácil, observo-te compulsivamente à distância enquanto tento procurar um momento em que falhes. Um momento que cruzemos o olhar, um momento em que o teu sorriso trema, um momento que me mostre o que sentes. Mas tu continuas impávido e sereno, enquanto eu insisto no meu sonho onde mentes.

Queria falar-te de nós, mas não sei fazê-lo sem falar de mim.

domingo, outubro 28, 2007

Ninguém me vê

Eu continuo o mesmo desde que o sr. Silvino me mandou construir, mas ninguém me vê assim. Lembro-me de cada pormenor do meu crescimento que ele supervisionava com extremo cuidado. Cada curva na pedra talhada, cada azulejo pintado à mão, cada rodapé de madeira, cada vidro colorido. Lembro-me da satisfação dele ao conhecer o primeiro andar, o andar onde ele e a noiva iam morar e que era totalmente distinto dos outros. Tinha um salão enorme com umas janelas que ocupavam praticamente a parede toda, penso que as janelas eram para deixar sair o calor e luzes dos bailes semanais e encontros de alta sociedade.

Como recordo esses tempos... gente e mais gente! Todas as noites aparecia alguém, todas as noites se lia qualquer coisa ou se ouvia um piano. As pessoas que passavam na rua olhavam-me de alto a baixo e sonhavam que um dia estariam protegidas pelas minhas paredes, embaladas na minha acústica. Lembro-me do primeiro bébé que nasceu cá em casa. O bébé chorava horas a fio, mas foi mais perturbador quando cresceu! Procurava fazer buracos em todos os rodapés e tirar-me alguns azulejos, mas quem sofreu mais foi a mobília... as cadeiras então! De qualquer modo, resistíamos e alegrávamo-nos de ver o futuro de quem ia cuidar de nós e proporcionávamos-lhe as melhores memórias que conseguíamos naqueles anos de vivência conjunta. Nunca uma cadeira se partiu com uma criança em cima, nunca uma escada deixou que alguém escorregasse. Mas chegou o dia em que o sr. Silvino morreu, a mobília foi desaparecendo, o século foi passando muito depressa e a fortuna amealhada esbanjou-se ainda mais depressa. Já não sei quem é realmente o meu dono, mas sei que me dividiram a alma e que estou partido em minúsculas caixinhas alugadas com o mínimo de conforto a pessoas que não me conhecem, nem querem conhecer.

As pessoas olham para mim e não vêem nada além da cor perdida dos meus anos e do cinzento escuro que é largado pelos escapes dos carros que passam à minha porta. Não há piano de noite, não há ninguém que me olhe e queira entrar. O salão já não existe, não há música, não há calor. As minhas paredes não têm com que se alimentar e vão ficando mais fracas. Ninguém vê os lindos acabamentos em pedra, nem o facto de cada azulejo ser único. Ninguém sabe os namoriscos que escondi e os que as varandas revelaram. Fingem que não me vêem sem cor e a cair a cada minuto que passa. Se se interessam, querem demolir-me porque neste local poderia estar um hotel ou um prédio novo, mais alto e que levasse mais gente. Ninguém se lembra do que sou, ninguém me vê.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Um terraço chamado desejo

É normal sonhar acordada, mas tenho tendência para recuar uma série de anos e parar no mesmo momento do meu passado. Nós, o terraço da minha antiga casa e a falta de luz que nos propiciava uma vista espectacular da noite estrelada (que nós não aproveitámos muito... astronomicamente falando). Sempre que me deixo afundar nesta memória, sinto os sonhos e a realidade a esbaterem-se, sinto toda a curiosidade que tinha por ti a voltar, rodear-te e a alterar a minha percepção de ti e de tudo o que nos envolvia. O ambiente destilava um suave odor a magia, pura e simplesmente por te ter comigo.

O meu subconsciente ondula em torno de ti. Sinto as emoções a voltarem como se nunca tivessem partido e sinto-me a deslizar para quem era, estremeço a cada toque mais subtil ou suspiro mais profundo. Sinto-me etérea na teia de sentimentos que me provocas. É como se estivesse presa a esta sensação sem poder fazer nada para me libertar, mas ao mesmo tempo estou livre e delicadamente suspensa no ar pelas asas invisíveis que me dás. Mas pouco antes estava triste e isso ainda me consumia vagarosamente na tua presença. Desejei que conseguisses sorver essa tristeza quando (se) finalmente me beijasses. E beijaste, não foi um atabalhoado primeiro beijo, foi um beijo comprido e a sério, cheio de vontade. O meu primeiro beijo como nos filmes. Pouco tempo depois, seguraste-me e fizeste-me subir as escadas até ao terraço sem nunca tirares os teus olhos de mim. Colocaste-me entre ti e o parapeito e aproximaste-te até o teu corpo tocar completamente no meu. Num lapso de confusão afastei a cabeça por reflexo, mas fechei os olhos de prazer quando me beijaste o pescoço. Senti os teus braços a percorrer o meu corpo todo e deixei-te fazer o que quiseste. Segurei o cabelo para te facilitar a descoberta do pescoço e costas, mas sei que apesar da entrega não fiz mais do que o indispensável, parecia uma boneca de trapos nas tuas mãos. Deixei-me ser seduzida, voou tudo. Ficámos apenas nós e eu deixei de me preocupar com o que quer que acontecesse. Deixei-te fazer tudo, achei que aquela noite era só uma noite. Lembro-me da camisa aberta com um puxão teu, da luz fraca que incidia nos nossos corpos e as marcas cor de prata que a saliva deixava para trás. Lembro-me de verdadeiramente adorar o modo como olhavas para mim, ser objecto do teu desejo era digno do meu maior sonho.

Despedi-me de ti com um beijo cheio de intenção que não sei se percebeste. Tremia de prazer ainda, não estava a pensar sequer. Despedi-me sem palavras, apesar de depois ter sonhado com mil e um fins diferentes onde acabo eventualmente por dizer algo, uma declaração, uma piada, algo inteligente, algo estúpido, algo que desse a entender que percebia o que se ia passar a seguir. Algo que marcasse a despedida do que, naquela altura, parecia ser mais loucura nocturna e muito desejo reprimido do que um marco na minha vida. Naquela ignorância de descoberta infantil, nunca pensei que aquela noite me fosse marcar para sempre.

E cá estou eu, a percorrer com a imaginação e os meus dedos tudo o que queria reviver dessa noite... continuo a querer ser o teu objecto de desejo.

sábado, setembro 29, 2007

A suavidade do caos

A lua esqueceu-se de aparecer esta noite. Sinto tanto a tua falta que nem saberia dizer por palavras o aperto que sinto cá dentro, tira-me a fome e a vontade de fazer coisas complicadas, apetece-me ficar na cama agarrada aos meus joelhos e a balançar-me devagarinho enquanto olho pela janela no tecto. A cama rente ao chão e a janela que deixa entrar o luar directamente sobre a minha fronha como eu sempre quis. Luar que não existe, está tudo enevoado... a Natureza nem me dá o prazer de observar uma tempestade. Espero que a lua esteja a iluminar-te por onde quer que andes.

Esta manhã estava carregada de Inverno, brutalmente fria! Não sei como arranjo coragem para escapar aos lençóis e ao calor que a proximidade do teu corpo generosamente me dá. Não sei como me visto entre arrepios de frio, como não faço mais caretas quando o leite frio me toca nos dentes, como visto o casaco e agarro no guarda-chuva com segurança. Quando cheguei, custou-me a abrir a mão com que ainda segurava o guarda-chuva, doíam-me as costas de estar encolhida, mas mesmo assim o calor da minha secretária era convidativo. Distraí-me um bocado com estas coisas todas do início do ano lectivo e cheguei a casa mais tarde do que queria. Vim cheia de vontade de te encontrar, de partilhar contigo uma ou outra banalidade diária, ouvir o que tens a dizer, saber de ti, olhar-te nos olhos... queria tanto sentir-te! Não te chamei alto porque achei que não estavas em casa, a mesa estava limpa, o sofá desocupado e o computador desligado. Não sabia se ainda não tinhas jantado ou se não ias jantar em casa, não era assim tão tarde. Vi o telemóvel e não tinha qualquer mensagem ou chamada tua. Perdi a fome. Depois de comer uma ou duas peças de fruta e de perder mais tempo do que o que devia a ler notícias na Internet, desisti de esperar por ti.

Não imaginas o meu espanto ao ver-te já deitado. Estavas a dormir com um aspecto tão calmo e eu sem sono nenhum... As perguntas estilhaçavam na minha cabeça sem piedade nenhuma. Por onde tens andado? Ouviste-me chegar? Porque é que te deitaste tão cedo? O que tens feito? O que te fez rir hoje? Apeteceu-te partilhar alguma coisa comigo? O que queres fazer no fim-de-semana? Será que já tens tudo planeado sem mim... outra vez? O que se passa connosco?? Já não consigo saber o que pensas. Sinto que devia conhecer-te melhor do que conheço, sinto que devia acordar-te e perguntar por ti. Sinto que devo lutar por nós mas nem sei por onde começar ou se ainda queres lutar ao meu lado. Mas não sou capaz de te perturbar, nem de te tocar... vesti a camisa de dormir, sentei-me na cama longe de ti e apertei os joelhos contra o meu peito com força. Sinto que te perco a cada suspiro lento que dás e não faço ideia de como inverter as coisas. A frustração que sinto é como uma mancha preta que se alastra indefinidamente dentro de mim e me faz sentir muito pesada, cansada e perdida. Solto finalmente uma lágrima de incompreensão e outra... e uma cascata delas, ao mesmo tempo que a tempestade rebenta e abafa os meus soluços.

A água serpenteia na sua elegância, as gotas ritmam a noite e tu dormes com ar tão calmo. Eu era capaz de ficar a olhar para ti a noite toda, és lindo. Está tudo delicadamente vivo e suavemente pintado ao meu redor... e eu sinto-me uma supernova.

sexta-feira, setembro 14, 2007

Sétima pista: no fim do arco-íris

(continuação)

Corri pela rua, desejei poder empurrar o metro para ir mais depressa, corri pela estação, corri durante todo o caminho que me separava de ti e só parei quando te vi. Só aí o meu coração desatou a bater atabalhoadamente e eu senti uma certa incapacidade em manter-me de pé. Tu viste-me assim que cheguei, imagino a minha figura... cabelo desgrenhado, o livro dos três mosqueteiros numa mão e uma mala pesada na outra. Estava parada feita estátua a olhar para ti. Levantaste-te e viraste-me costas, sem cerimónia nenhuma, em direcção a uma barraquita de gelados. Tive que reunir muito esforço mental para decidir qual das minhas pernas ia avançar primeiro e não me esquecer de avançar a outra a seu devido tempo. Fui deixando de respirar conforme a distância entre nós encurtava e parei completamente quando fiquei frente a frente contigo e me ofereceste um gelado.

- Magnum clássico? - ofereceu-me ele.
- Exacto, ainda te lembras... obrigada. Pensava que te tinhas ido embora? - estava mais que entalado na minha garganta e fui incapaz de reter para deixar sair um "olá" ou "que bom rever-te".
- Não foste despedir-te de mim - apesar de tudo, o tom dele não era zangado.
- Pois... hum... é horrível reconhecer isto, mas não tive coragem. Desliguei o telemóvel para não te dar hipótese de te despedires porque não te queria ouvir a dizer adeus e depois, quando já sabia que o avião tinha levantado, fiquei quase a odiar-me por não ter ido. Fiquei tão decepcionada que nem tenho saído de casa, é verdade. Pensava que era mais forte, devia ter lá estado, queria dizer-te coisas que achei que não tinha direito, não naquela altura. Queria ter ido... devia ter-me despedido de ti. Devia ter sido mais forte... por ti - nem uma única vez levantei os olhos do chão enquanto tentava justificar-me (sem perder a voz) de uma coisa que não tinha justificação.
- Fizeste-me sofrer um grande pedaço é verdade. Telefone desligado durante tanto tempo...
- Porque voltaste? - disparei eu.
- Eu não voltei, eu nunca saí. E já devias saber disso há mais de uma semana!
- Foi por isso que me tentaste ligar mais do que uma vez? Tu não chegaste a partir?!
- Não. Vais deixar o gelado derreter? - desta vez, ele tinha um olhar divertido.
- Cancelaram o voo? Que se passou? Não te quiseram, cancelaram o contrato?
- Eu não assinei nada, não fui porque não quis. E queria dizer-te que fiquei por ti, mas tu não me deste hipótese porque nunca chegaste a aparecer!
- Ah... - uma pessoa diz-nos uma coisa destas e a coisa mais inteligente que temos para dizer é um "ah"... eu sou triste.
- Resolvi fazer isto para te fazer sofrer um bocadinho e também para te fazer sair de casa, a tua mãe disse-me que não tens saído desde que... pronto. Na altura fiquei sem saber bem o que fazer. Não me disseste nada, nem na altura nem depois! Já não sabia se tinha feito bem ou se realmente devia ter ido naquele avião.
- Não!! Não devias nada ter ido embora! - saiu-me completamente sem aviso, inspirei devagar - Bem, eu nem sei qualificar a minha reacção ou falta dela. Muita falta de bom senso, é verdade! E sim, isto é eufemismo. Mas quero que saibas que desejei sempre que fosses tu por detrás disto. Em cada pista que descobria, cada passo até aqui, sonhei que ficava mais perto de ti... ajuda-me nalguma coisa? - ri-me do nervosismo.
- Ah sim? E como é que me vais convencer disso? - respondeu-me num ar trocista.
- Eu posso provar! - finalmente um sorriso da minha parte.
- Podes?... Como?
- Rima com varicela! - respondi eu, finalmente orgulhosa de qualquer coisa que tinha feito.

Entreguei-lhe o meu gelado ainda por abrir e tirei a caixa de chocolates da mala, o meu pequeno triunfo. Mostrei-lhe com um orgulho incomparável.

- E não é que valeu mesmo a pena esperar por ti?! - ele estava genuinamente surpreendido e não conteve uma gargalhada.
- Ora... há coisas que nunca mudam! - respondi eu com o maior sorriso de há muitos dias.

Rimo-nos com vontade, enquanto os gelados se derretiam. Aproximámo-nos um do outro (com cuidado para não esmagar os gelados) e ele deu-me um beijo sem bom senso nenhum, felizmente. Não tirámos os olhos um do outro durante o resto da tarde. Só o via a ele e era incapaz de imaginar a quantidade de pessoas que passeavam, iam e vinham à nossa volta. Parecíamos dois miúdos acabados de abrir todos os presentes de Natal e depois descobrir que eram exactamente o que tínhamos pedido. Rebolámos nas imperfeições da relva, rimos, falámos imenso, respirámos um para o outro... Por fim, resolvemos parar para descansar debaixo de uma arvorezita, eu fiquei sentada na relva ao colo dele. Olhei para os meus pés por nada de especial, simplesmente porque estavam no meu horizonte. Senti-me a transbordar de alegria, alegria por nada em particular, apenas felicidade pura por tudo. Senti-me demasiado pequena para guardar tanta alegria, senti-me demasiado minúscula para merecer tanto. Há pessoas que durante uma vida inteira não têm um só momento daqueles. Enchi-me de coragem para dizer tudo o que tinha guardado dentro de mim, e do meu quarto, nos últimos dias.

- Desta vez tenho que te pedir para ficares comigo. É egoísta, eu sei, mas quero sentir-me assim sempre que puder. E tem que ser contigo, normalmente não consigo ter tantas dores nos maxilares e nos abdominais. E eu gosto que me doa o maxilar de tanto rir... Eu costumo conseguir parar de rir, sabes? E perto de ti isso nunca acontece. Quero-te, a sério.
- Eu fiquei por ti, lembras-te?
- Mas eu nunca te tinha dito isto. Nunca tinha coragem... Nem há uma semana tive e agora que pensava que tinha perdido tudo, ter isto de volta é quase bom demais. Eu não mereço, mas queria dizer-te que te quero comigo alto e bom som para não teres que adivinhar ou ficar na dúvida sobre o que eu penso sobre ti... nós.
- Bem, mereces qualquer coisa, afinal chegaste ao fim do jogo mais rápido do que eu supunha... e acertaste na caixa de chocolates! E eu queria ouvir-te dizer isso... finalmente.
- Isso é um sim? - se o meu coração continuasse a bater assim, ia precisar de um transplante.
- Que remédio!...
- Até parece!
- Pronto, pronto... sim, claro! - e abraçou-me num sorriso brilhante.
- Assim está melhor.
- Achas?
- Não... tenho a certeza! Sinto-me como se tivesse descoberto o pote de ouro!
- Qual pote de ouro?
- O do final do arco-íris.
- Qual arco-íris?... Ok, esquece, tu és estranha... Chega p'ra cá!

sexta-feira, setembro 07, 2007

Sexta pista: a nossa história está na História

(continuação)

Subi alguns degraus até à entrada do museu e fiquei algo espantada por ver lá o João!

- Por cá?
- Olá! Então que andas por aqui a fazer?
- Eu... olha, vi publicidade à exposição temporária e vim cá dar uma vista de olhos! Quanto custa?
- É grátis, está patrocinada por um banco qualquer.
- Ah, ok! Vou dar uma vista de olhos... que fixe ver-te aqui! A ver se nos encontramos um dia destes.
- Espera, toma lá o folheto com o mapa cá do sítio! Viras ali à direita para começar.
- Obrigada!

Pisquei-lhe o olho e segui pelo corredor, virei à direita tal como ele me disse, mas o local estava cheio de setas de qualquer modo. Cocei o pescoço por reflexo. Entrei na sala e fiquei maravilhada com algumas peças, fico sempre perdida não só pelo modo como está tudo tão bem pintado, desenhado e “recortado” como pelo facto de tudo aquilo ter uma mensagem subjacente e um significado que eu não compreendo totalmente. Senti que a minha busca pela sétima e última pista tinha toda a lógica em estar ali. Mistérios e mais mistérios que não vão ser desvendados porque já se perderam no tempo. Nas areias do tempo é capaz de ser uma expressão mais conveniente...

Depois de ter demorado imenso tempo a ver a sala (tinha tempo), abri o mapa para ver para onde tinha que me dirigir e descobri que o meu mapa não era apenas da sala, nem sequer da exposição ou do museu. O meu mapa estava “ligeiramente” alterado. Conseguia ver alguns corredores do museu, mas tinha outro mapa desenhado por cima. Era um mapa da cidade, ou parte dela, e tinha uma bola encarnada no sítio do museu. Essa bola encarnada era a referência à sala temporária onde me encontrava no mapa original. Um bocado a custo, lá entendi que a exposição tinha apenas outra sala do outro lado do corredor e dirigi-me para lá. Não vi grande coisa da segunda sala, tinha bem presente que tinha andado a última hora e tal com a sétima pista nas mãos e nem um olhar lhe tinha deitado... Apercebi-me de repente que o João também estava metido naquilo! A minha esperança acendeu de novo e tive bastantes dificuldades em acalmá-la, a caixa na minha mala também não me ajudava a esquecer do que eu queria acreditar.

Olhei para o mapa com cuidado, visto não me conseguir concentrar nas jarras canópicas onde os egípcios colocavam alguns orgãos dos mortos (sim, dos vivos era capaz de ser chato). O mapa não estava completo e a única coisa realmente desenhada era o local do museu e do rio. Mas não estava propriamente claro em que zona do rio é que estava a resposta e o raio da cidade está praticamente rodeada de água! Reparei melhor no mapa original e existia um quadrado onde alguém tinha pintado quatro quadradinhos por cima das pontas do quadrado original. O quadrado grande ficava mesmo na zona do rio, supostamente seria uma sala qualquer no primeiro piso do museu, mas ali podia muito bem significar uma plataforma quadrada no rio... E aquela forma de plataforma não era completamente desconhecida. Estava tão contente que deixei as múmias para a próxima visita, elas também não iam longe. De qualquer modo, ainda me demorei na loja do museu onde comprei um escaravelho para recordação. Na saída voltei a passar pelo João.

- Safado, estás metido nisto!
- Não acredito que só te vais embora agora. Pensei que já tivesses saído e eu não te tinha visto!
- Só reparei agora no mapa adulterado que me deste! Eu sou um bocadinho lenta, tens que ter paciência e...
- Despacha-te, vai lá embora depressa, mexe-te!
- Mas qual é a pressa?
- É que eu já avisei que tinhas saído...
- Ah sim? Quem é que avisaste? Como sabes que vou para o sítio certo? Ajuda-me!
- Ora, deixa-te lá disso, pisga-te!!
- Se fosse contigo queria ver...
- Despacha-te miúda!! Ele está à espera, não tarda perdes o pôr-do-sol!

sexta-feira, agosto 31, 2007

Quinta pista: do esterco ao sol

(continuação)

Uma das primeiras coisas que aprendi sobre estes escaravelhos (e que adorei) é que simbolizavam o deus-sol. Ora o que é que este deus fazia? Entretinha-se a mover o sol no firmamento, o que é extremamente parecido (ou não) com um escaravelho a mover a sua bola de excremento. Sim senhora, temos um escaravelho que gosta de colocar os seus ovos em locais pouco... comuns, vá. Está ligado ao deus-sol, assim como ao renascimento, renovação e ressurreição. A primeira coisa que me ocorreu foi a campanha dos R's para apelar à reciclagem. A minha mente aterrou literalmente no Egipto e o meu pensamento estava todo enrolado em hieróglifos. Via escaravelhos, burros, o Romeu e a sua Julieta a escrever postais, além de uns tantos escaravelhos a sair da fonte da rotunda lá em baixo.

O que me chamou à razão e devolveu à terra com alguma racionalidade foi o meu estômago: comida! Pois sim, já era quase hora de almoço e eu não tinha preparado nada. Apesar de me apetecer fazer qualquer coisa para me distrair, só via escaravelhos à frente portanto decidi ir almoçar fora. O barulho dos carros e das pessoas distraiu-me facilmente das areias e pirâmides egípcias, mas continuava com os escaravelhos à volta. Especialmente depois de ler que um “primo” africano desses escaravelhos podia atingir os 9cm. Isso é quase a minha mão aberta, uma escala no piano! Se um destes me aparecesse à frente, ainda era capaz de esfregar os olhos umas duas vezes para ver se estava a ver bem antes de fugir.

Lá desci a rua alegremente, com a mala a tiracolo e um livro na mão, livro esse cheio de bilhetinhos e um postal. Entrei num restaurante qualquer que me pareceu ter uma lista simpática para sábado e escolhi um lugar virado para a rua. Cada vez que saio de casa é para ir para longe, até me esqueço de sair e passear nas redondezas. O facto de estar ali sentada a olhar para a minha rua de sempre causava-me um certo bem estar pela noção de familiaridade. Suponho que as surpresas já estavam em grande número só para um dia e permiti-me a um certo relaxamento. Olhei em volta para chamar um empregado e reparei que alguém tinha deixado um daqueles jornais grátis que distribuem no metro em cima de uma cadeira. Resolvi folheá-lo só para passar o tempo. De repente voltei a sentir-me estúpida, mas desta vez era uma mistura de estupidez e ignorância pura.

Num dos cantos reservados à publicidade, lá estava um aviso sobre uma exposição egípcia com algumas coisas trazidas de outros museus europeus. Uma exposição egípcia ali na minha “terra” e eu não tinha dado por nada?! Tenho mesmo que prestar mais atenção ao sítio onde vivo. Confesso que fiquei altamente envergonhada e, apesar de não saber quem estava por trás das pistas, desejei secretamente que não se tivesse apercebido daquela minha falha. Soava-me a coisa grave, afinal, eu nunca fui uma grande fã de História, mas a coisa mudava de figura quando o Egipto, a Suméria ou a Grécia entravam em cena (não por esta ordem, claro). O almoço chegou finalmente... tentei comer devagar, mas a excitação e curiosidade cresciam tanto dentro de mim que me vi no metro enquanto o diabo esfrega o olho. A viagem ainda demorou um bocado, mas quando saí da estação e olhei os grandes cartazes com escaravelhos na parede do museu, senti o dever cumprido. Mesmo que não descobrisse a sétima pista, tinha chegado à sexta e isso tudo numa manhã de sábado era de louvar.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Quarta pista: recordar é viver

(continuação)

Uma vez fora da loja, encostei-me a um canto do passeio e abri o telemóvel para ver a MMS. Era novamente de ninguém (por assim dizer) e demorei um bocado a perceber o que era a imagem. Ao fim de olhar para a imagem umas tantas vezes, reenviei-a para um amigo meu especializado no assunto com o seguinte texto: “Isto é o dartacão, não é?!”. Só não levantei o sobrolho enquanto reconhecia a imagem porque não consigo fazer isso só com uma sobrancelha. Mas continuo a achar que dá estilo conseguir e é útil, em situações como esta, por exemplo. A resposta foi mais rápida do que eu esperava: “Yeah, mas porque é que queres saber?”. Se eu soubesse a resposta... Pelo menos tinha a certeza do que os meus olhos viam e o meu cérebro não queria acreditar: o dartacão era a minha quarta pista. Sim senhor, mais estranho começava a ser difícil.

Voltei para casa e usei essa bela ferramenta que dá pelo nome de “You Tube”. Confesso que me agradou rever o genérico dos desenhos animados. Reparei também numa mensagem simpática que aparecia e que eu nunca tinha dado conta, qualquer coisa como “esta série baseada na história de Alexandre Dumas pretende enaltecer duas virtudes que nunca devem ser esquecidas: honra e amizade”. Catita, sim senhor! Ora Alexandre Dumas (pai)... eu tinha a certeza que dele só tinha o “O conde de Monte Cristo”, portanto a pista não devia ser por ali. Estava a começar a ficar com umas ideias muito retorcidas e já achava que a pista tanto podia estar no meu cão (que não tem muito de mosqueteiro, nem de moscãoteiro, já agora), como no facto da cadela se chamar exactamente Julieta e estar ligada ao livro “Romeu e Julieta”. Pelo sim, pelo não, saí e fui até ao jardim. Chamei o meu cão, brinquei com ele e examinei-lhe a coleira com cuidado, apesar dele não estar a achar muita piada ao facto. Deixei-me estar a brincar um bocadito mais com ele, só para ter a certeza que não o ia levar ao veterinário e que ele escusava de fugir.

Segunda ideia mirabolante: Shakespeare. Esta ideia ainda era pior do que a outra porque, novamente, eu tinha o livro errado. Li vezes sem conta o “Sonho de uma noite de Verão”, mas não metia o dartacão (só um homem transformado em burro) nem a Julieta. No final, decidi abrir também o exemplar de “O conde de Monte Cristo”, mas não tinha lá nada que me ajudasse sem ser a história (belíssima por sinal, a personagem da “escrava” Haydée seduziu-me por completo). Perdi-me um bocado a relembrar estas histórias e a pensar em como o ódio pode ser quase tão bom como o amor no que toca à sobrevivência. Entretida pela redescoberta destas “grandes” histórias perdidas na minha memória, percorri as várias prateleiras de livros que tenho quarto. Muitos livros de Júlio Verne, um dos meus autores favoritos. E eis que no final da prateleira mais alta estava um exemplar dos três mosqueteiros de Alexandre Dumas, bem arrumado e mais perto da minha testa do que dos olhos, parecia ter estado sempre ali.

Abri o livro, virei-o do avesso e abanei-o vigorosamente. Caiu um pequeno rectângulo de papel branco. Estava manuscrito com letras maiúsculas: “NUNCA LI O LIVRO, MAS DIZEM QUE É BOM. ATÉ GOSTEI DO FILME. NEM ACREDITO QUE NÃO O TINHAS! SÓ ME DÁS TRABALHO! JÁ AGORA, PODES FICAR COM ESTE” Virei o papel ao contrário e tinha um escaravelho egípcio impresso, daquele tipo dos que vemos nos filmes a “comer” pessoas, como na “Múmia”.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Terceira pista: usar a realidade

(continuação)

Liguei o computador novamente, mas desta vez fui direitinha ao mail. Lembrei-me da última pesquisa no google e como podia ter visto o mail mais cedo. É certo que agora não podia fazer nada, mas não conseguir evitar a sensação de que podia ter chegado ali mais depressa. O triste de ter mais de uma conta para estas coisas é que nunca sabemos exactamente quem usa qual. Abri todas e fiquei ansiosamente à espera de um mail sem “viagra” no cabeçalho. Antes de desanimar por completo, li o SPAM de alto a baixo. Efectivamente o filtro fez uma boa separação (não pode correr sempre mal). Estava desolada, ou não tinha percebido qual mail era o certo, ou realmente a pista não apontava para ali. Ora bem, já que estávamos em Portugal, dirigi-me ao correio em cima da mesa da entrada. Vasculhei as contas todas e não encontrei nada digno de registo. Lá me calcei e desci até à caixa de correio. Finalmente qualquer coisa! Um postal ilustrado sem selo. Pareceu-me bem, soava a pista. Não tinha nome, mas tinha uma rua.

Sentei-me ao computador (novamente), procurei onde é que a rua ficava e não fui lá muito bem sucedida. Procurei nos mais variados sítios e nada, a rua não existia e se existisse não era neste país, o que não me ajudava em nada de qualquer modo. Ocorreu-me subitamente que mais importante do que saber o que se escondia no postal era mesmo tomar o pequeno-almoço. Saí de casa, mas só depois de inspeccionar rapidamente todas as divisões em matéria de candeeiros ou coisas estranhas deixadas nos móveis. Nada... decidi então dar toda a minha atenção a um croissant de chocolate na pastelaria no final da rua. Quando acabei, tirei o postal da mala e fiquei a olhar para ele. Não tinha selo, não tinha nome, não tinha mensagem, só aquela rua “desaparecida”.

Apesar de tudo, tinha um forte pressentimento dentro de mim. Saí da pastelaria, percorri as ruas banhadas com o sol fraco das dez da manhã (vista rara para mim) e entrei num supermercado mais escondido, mais calmo. Não saía de casa com vontade de ver nada há alguns dias, achei que a dor estava a passar, mas pelas razões erradas. Não entanto, não evitei um leve sorriso quando vi que ainda havia uma caixa, comprei-a, escondi-a dentro da minha mala e esperei que o meu sexto sentido, tão poucas vezes usado, estivesse certo. Se calhar era só uma dose gigantesca de esperança seguida de um grande balde de água fria. Tentei não pensar que estava certa, era melhor esperar para ver. Mas a luzinha cá dentro recusou-se a apagar, o que me obrigou a escondê-la o melhor possível para não pensar nela. Nestas voltas onde brigava com o meu próprio pensamento, dei por mim na rotunda mais bonita e mais movimentada ali do sítio. Parei por momentos a olhar para a estátua a jorrar água, impassível no meio de tanto carro e senti-me mesmo estúpida.

Estúpida por duas razões (e haviam mais de certeza, mas pronto), primeiro porque tinha parado de repente no meio do passeio e levei com uma gorda qualquer, em segundo porque aquela rotunda era a imagem do postal! Incrível como não ligamos às coisas perto de casa, bem que a imagem do postal me parecia familiar mas, pronto, fontes em rotundas é o que não falta nas capitais europeias. Senti um nervoso miudinho a correr o meu corpo porque não sabia o que fazer a seguir. Resolvi rodear a rotunda a pé, podia ser que me estivesse a escapar algo. Quando dei precisamente metade da volta, olhei para o sítio de onde tinha saído e vi um pequeno quiosque com alguns postais num mostrador exterior. Disse algumas asneiras entre dentes e voltei ao sítio de onde tinha saído. Vi imensos postais iguais ao meu enquanto entrava na loja. Eu levava o postal na mão e a moça que estava a atender reparou nele. Riu-se e só me disse:

- Não estava à espera que chegasse cá tão cedo!
- Estava à minha espera?!

Não me respondeu, mas riu-se e achei que a minha pergunta era retórica de qualquer modo. Ela pegou num telemóvel, pediu-me para esperar e, pouco depois, foi a vez do meu telemóvel tocar. Ri-me desconfortavelmente e suponho que tinha um ar de quem não controla nada do que se está a passar, um bocadito miserável porque comecei a duvidar se conseguia chegar ao fim.

- Não fique assim! Vai ver que é uma boa surpresa!

E piscou-me o olho. Eu acreditei. Acreditei numa pessoa que eu nunca tinha visto na minha vida. Acreditei porque obviamente ela fazia parte do jogo e eu não tinha como duvidar. Fiquei com a ideia que Lisboa inteira sabia o que eu não sabia. O que estava no final das sete pistas. Lembrei-me do pote de ouro no final do arco-íris... que também tem sete cores. Desejei que não fosse ouro, de qualquer modo. Respirei fundo e ainda perguntei, antes de olhar para a MMS que tinha acabado de chegar:

- Não me vai ajudar a decifrar, pois não?
- Não, até porque não sei o que é. Mas mesmo que soubesse, acho que prefere chegar lá sozinha!

Se calhar nem preferia, mas pronto, não tinha hipótese. Agradeci e comprei uns rebuçados só para não parecer muito mal-educada. Estava um bocado atordoada.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Segunda pista: não desmoralizar

(continuação)

Enquanto vasculhava as gavetas todas da minha cómoda, pensava como raio não me tinha apercebido que o baton era importante assim que vi a seta marcada na minha pele. Eu não uso baton, portanto foi trazido por alguém e deve estar algures no meu quarto... desejei intimamente que estivesse naquela cómoda porque a minha maior qualidade não é a arrumação, definitivamente. Chateei-me um bocado, tirei as gavetas e virei-as todas do avesso. Mas nada de baton. Senti-me um bocadito frustrada, a descoberta da primeira e ousada pista tinha despertado ainda mais a minha curiosidade. Sem ligar ao cabelo molhado, estendi-me no chão com a máquina fotográfica (porque a cama estava cheia da tralha das gavetas) e passei as fotografias das minhas costas. Ao fim de uns dez minutos, o sorriso no final da frase já me parecia um completo gozo à minha incapacidade de entender o que estava escondido na frase. Por fim desisti e posei a máquina ao meu lado, fechei os olhos e tentei distanciar-me das últimas ideias mirabolantes (porque, pelo menos, tinha a certeza que a Praça Vermelha e o Kremlin não tinham nada a ver com isto). Quando tirei as mãos da cara, posso dizer que passei a ter uma outra perspectiva do meu quarto: o tecto. E lá estava o baton preso ao candeeiro, oscilava perigosamente pendurado apenas por uma ponta de fita-cola. Pergunto-me se não terei dado sinais de que estava a despertar para aquilo ter ficado colado daquela maneira. Agora a única coisa que se metia entre mim e o candeeiro era a minha altura, mas nada que uma cadeira não resolvesse (sim, porque aquilo aos saltos não foi lá). Finalmente agarrei o baton e fiquei a pensar que se fosse um episódio do CSI, tinha posto umas luvas e tirado uma impressão de uns milímetros de dedo, mas que mesmo assim dava para encontrar o responsável pelo jogo em menos de cinco minutos.

Olhei para o baton, não percebia nada daquilo, mas duvidava que fosse coisa de qualidade... aposto que foi comprado numa loja em bico! Depois de muitas voltas ao baton, não descobri grande coisa, mas era óbvio que era ali que estava a minha segunda pista... afinal, os batons não se penduram nos candeeiros porque gostam de praticar queda livre. Resolvi secar o cabelo e deixei o baton à minha frente, talvez esperançada nalguma espécie de telepatia. Depois de vestida e perfeitamente acordada (ou seja, já tinha desistido de comunicar mentalmente com o objecto), tentei desenroscar o baton, mas só consegui sujar as mãos. Lá fiquei eu frustrada a olhar para a peça e resolvi usar a única ferramenta que sabe tudo: o google! Lá procurei por entre dezenas de imagens alguma coisa parecida com aquela e fiquei a achar que era tudo muito igual. Decidi então procurar a referência da cor, podia ser que ajudasse nalguma coisa. Passados menos de cinco minutos, achei que sofria de daltonismo e desliguei o computador. Um bocado chateada, atirei o baton para cima da cama e nesse preciso momento lembrei-me da fita-cola, ainda presa ao candeeiro (tal como eu disse, o meu forte não é a arrumação). Será que a pista estava na fita-cola?! Lá fui outra vez cheia de esperança, bati na cómoda porque saí a correr do quarto, mas nem senti nada tal era a excitação quando cheguei à secretária.

Enrolado na parte de dentro do rolo da fita-cola estava um papelito colado também com fita-cola. Tirei-o com cuidado para não rasgar nada e li em voz alta:

Muito bem! Espero que o candeeiro ainda esteja colado ao tecto (estupor, pensei eu) E agora suponho que estás por tua conta!

Achei que esta pista era finalmente fácil...

sexta-feira, julho 27, 2007

Primeira pista: entrar no jogo

Senti a brisa que abanava insistentemente as folhas da árvore por cima de mim. Olhei para os meus pés por nada de especial, simplesmente porque estavam no meu horizonte já que estava sentada na relva a ganhar fôlego. Senti-me a transbordar de alegria, alegria por nada em particular, apenas felicidade pura por tudo. Lembrei-me daquela manhã, agora parecia que tinha acontecido tudo num passado distante...

Acordei sem saber porquê e com sono, abri um olho, desejei que não fosse demasiado cedo para não desperdiçar tempo útil de sono (afinal era fim-de-semana), liguei o telemóvel para ver as horas. Era mais cedo do que eu pensava, mas desconfio que nem voltei a pensar nisso assim que uma mensagem anónima chegou: “Bom dia! Que tal um jogo para acordar? Sete pistas... A primeira pista está em ti!”. A mensagem tinha sido enviada há menos de cinco minutos. O meu cérebro ainda estava ensonado, mas o meu instinto estava completamente desperto e pedia mais de mim do que eu podia dar. Reli a mensagem para ver se não havia nada mais explícito que me tivesse esquecido de ler. Em mim? Mas o que é que está em mim, além do óbvio? Olhei para os braços, mãos, pernas e tal e não vi nada. Espicaçada pela curiosidade, pus-me a esvaziar os bolsos do casaco e das calças de ganga que usei no dia anterior. Nada. Virei a carteira do avesso (e uma carteira de mulher tem muito que se lhe diga) e nada. Nada de papelinhos, frases perdidas, autocolantes, nada de nada. Resolvi tomar um banho para acordar e começar a pensar como deve ser. Ia ser frustrante se não percebesse a primeira pista, supostamente era a mais fácil. Lá fui até à casa-de-banho e quando me cheguei perto do espelho, vi que tinha uma seta horizontal, desenhada a baton, perto do meu pescoço. A seta parecia apontar para o ombro. Depois da estranheza inicial, virei-me de costas e vi finalmente a primeira pista! Corri até à máquina fotográfica (porque não conseguia ler como deve ser no espelho) e depois de algumas posições mais ou menos acrobáticas, consegui tirar uma fotografia ao que tinha escrito nas costas:

Espero que não fiques chateada pelo abuso, mas não podia ser nem muito fácil nem muito difícil, para não desmoralizares já! ;)

Quem quer que me tivesse escrito aquilo, era pessoa de confiança. Tinha estado no meu quarto, alguém a tinha deixado entrar e o meu subconsciente não me alertou enquanto dormia. E, apesar da mensagem trocista, eu estava determinada a participar e acabar o jogo! Só havia um pequeno (minúsculo) entrave: eu não percebia nada da primeira pista. Resolvi tomar o meu banho para refrescar as ideias e tirar o baton do corpo. Confesso que foi um bocado complicado porque não conseguia ver se estava a limpar no sítio certo ou não, já para não falar que já de si esfregar as costas sem ajuda dá algum trabalho. Desconfio que ficou quase bem lavado... a cor da primeira água fazia-me uma certa impressão, parecia que tinha pintado o cabelo de vermelho vivo ou alguma coisa do género. Quando me sequei, ainda olhei para a toalha para ver se não existiam resquícios de vermelho. E foi aí que os meus neurónios resolveram despertar do torpor provocado pelos lençóis e o banho quente. Não sabia se estava certa, mas valia a pena tentar!

quarta-feira, julho 18, 2007

Encosta-te a mim

As meias são sempre a última coisa... vá-se entender porquê. Esqueço-me delas frequentemente, acho que é por ter a mania de andar descalça. Pouco depois, abri a água... nem quente, nem fria. O resto da habitação devia estar mais fresca porque senti a formação de uma nuvem de vapor. Fechei os olhos e inclinei-me na direcção do jacto de água, mexi o pescoço devagar para deixar que a água caísse no ombro também. E foi quando te senti, embora já soubesse que estavas ali.

As gotículas de água no meu ombro derreteram-se nos teus lábios. Estremeci e senti-os a percorrem-me o pescoço enquanto inclinava a cabeça para a esquerda. Senti a ponta dos teus dedos a escorrer do meu ombro para a minha cintura num abraço vagaroso. Não mexi um milímetro do meu corpo, mas a minha mente pregava-me partidas porque ouvia o batimento acelerado e descompassado do meu coração sobreposto ao da água a cair. O teu abraço lento parou quando a tua mão me acariciou o ventre. Passados uns segundos onde ambos sustemos a respiração e só se ouvia a água a moldar-nos o corpo, puxaste-me contra ti com força, sem magoar... com segurança. Encostaste-me a ti.

Apoiei o braço direito na parede à minha frente, enquanto sentia o teu corpo colado, a moldar-se ao meu. A tua cabeça ligeiramente flectida para a frente permitia-me sentir o calor da tua respiração no meu ouvido e arrepiar-me a cada expiração. Se ainda não me tinha entregue, aquele foi o momento. Segurei a tua mão na minha barriga para não te afastares. Sem olhares e sem palavras, mergulhámos um no outro.

quinta-feira, junho 14, 2007

Definitely Maybe

Tinhas saudades? - Pergunta ele.
Tinha... - Diz ela sem grande convicção mas com um sorriso malandro.
Muitas? - Insiste ele.
Muitas, muitas! - Diz ela antes de o abraçar, agora com convicção.

Os dois olham-se durante um segundo quando acabam de falar, olhos que irradiam a mesma luz apenas para ser lida nos olhos do outro. Olham-se usando a mesma língua de luz. Ela ri-se com vontade e aproxima a boca dele, os beijos sucedem-se primeiro lentamente e depois rapidamente naquela urgência de algo mais, naquela tentativa de beijar ao de leve como se de um "teaser" se tratasse antes de explodir numa vontade imensa, daquela maneira que se beija quando se quer muito. Dir-se-ia que é um beijo de paixão inicial, mas não.. já lá vai uma década. Por alguma razão que nenhum dos dois sabe, o destino insiste em juntá-los e eles baixam as defesas enquanto o sentimento os vai tomando devagarinho, beijo após beijo, ano após ano. Apaixonam-se todas as vezes, mesmo quando pensam que o tempo já lá vai. Também é verdade que nenhum dos dois oferece grande resistência, mas já não têm tempo para isso, os minutos que têm um com o outro são tudo o que querem gastar.

Ela não faz ideia do porquê de ser ele. Se lhe perguntassem com quem sempre sonhou, provavelmente ainda hoje fazia uma descrição que não assentava nele. Mas quando está com ele, sabe que é ali que está grande parte da vida dela. Talvez seja o sorriso que ambos partilham, talvez as palavras e piadas certeiras que só calam quando um beijo urge. Talvez o brilho no olhar dele que reflecte felicidade sincera ou talvez seja a visão dela enevoada. Até os sapatos que ele usa e que ela não gosta nada são coisas que a confortam e a fazem acreditar que sim. Talvez seja o tom de mimado que ele faz quando ela o contraria.

Ele está na mesma, ela não é definitivamente quem ele definiria como ideal. Nem sabe apontar porque é que se sente irremediavelmente atraído por ela, porque é que o tempo passa e ela está lá sempre com aquela maneira de ser que ele secretamente adora, apesar de estar sempre a dizer-lhe "não sejas assim!". Já conheceu tantas mulheres e ela continua a conseguir que ele se esforce por ela. Talvez seja o facto dela não se render facilmente? Porque ela lhe dá luta? Talvez seja porque ela consegue deixá-lo sem palavras e lhe adivinha o pensamento. Porque ele vê a lua reflectida no rio e só se lembra dela? Porque lhe dá quase tanto prazer falar com ela como tocá-la ou beijá-la. Talvez sejam os beijos curtos que ela lhe dá no pescoço? Ou talvez o facto de não a conseguir tomar como garantida, apesar de confiar nela. Não se domam tempestades...

terça-feira, junho 05, 2007

A fragilidade do amor

É verdade que tenho uma certa queda para estranhos, a curiosidade do que não sei e do que posso descobrir é demasiado tentadora para resistir. Foi assim que nos envolvemos, já foste um estranho para mim. Tu dás-me tudo o que eu quero, mas não deixo de sentir que falta qualquer coisa. Nem sei o que me falta, se soubesse não procurava, ia buscá-la agora mesmo. E no dia em que perderes toda a confiança em mim, és tu quem se vai magoar mais. Eu nunca vou cicatrizar.

Sei que te meto numa espiral que vai acabar mal e que por alguma razão não vou até ao fundo, acompanho-te até metade e fico a observar-te a cair. Não sei porque é que me comporto assim, nem sei se existe realmente alguma razão para isso, onde está a lógica no desejo?

És provavelmente a pessoa que mais amei em toda a minha vida e não sei porque é que isso não basta. Temos tanta coisa que nos liga, é como se as nossas almas fossem teias muito densas completamente entrelaçadas e coladas uma na outra. Sei que nunca me vou libertar, mas também não é isso que quero. Só quero uma ponta solta, onde o meu corpo reaja sem regras, sem lições de moral, sem nada que me faça pensar e modificar a reacção ao prazer que sinto lá fora.

Acho impossível que fiques comigo. Por outro lado, sinto que a minha vida vai fazer sempre parte da tua. Mas por agora, o amor não basta.

terça-feira, maio 01, 2007

Quarto Crescente

- Hum? Estás a falar tão baixinho que não te percebo.
- E tu falas alto.
- Isso eu também sabia, mas com a televisão ligada fica difícil de te perceber... e de abrir os olhos.
- E querias tu a luz acesa!
- Não comento...

E ficámos os dois a rir de nada, enquanto o tempo corria numa maratona. Parece que foi há mais tempo, a memória prega-me algumas partidas e completa irrealmente o cenário. Fico sempre aquém daquilo que quero. Se num momento não quero fazer nada de que me arrependa, noutro acho que devia ter aproveitado mais, e se era a minha última oportunidade? Já nem sei a quantidade de vezes que mas ofereceram de bandeja sem que eu as mereça. Não sei bem como qualificar o que sinto por ti. Sei que mais facilmente daria lugar a outra pessoa do que ficava contigo se soubesse de antemão que te ia magoar e que me ias usar como desculpa para chorar. Ver-te sofrer por minha causa é como magoar-me infinitas vezes...

Apesar de afastar repetidamente a minha cara da tua e adivinhar-te o ar de confusão, bem no fundo queria acreditar que me vais dizer que desta vez não me deixas ir embora. Mas acabas sempre por deixar, não sei se na esperança que eu volte ou não. E eu parto sempre que abres a mão, sem saber bem porquê. Já longe, baralhas-me os sonos e fazes-me sonhar acordada quando toco nalguma peça de roupa que ainda tem reminiscências tuas. O silêncio entre nós volta a cair... até à próxima lua, se ela existir.

quinta-feira, abril 26, 2007

The secret's safe

Ninguém sabe o que nós sabemos, ninguém consegue adivinhar o porquê. Abstraímo-nos do mundo, apagamos os sons, afugentamos as luzes e ficamos sós. E trazemos esse segredo guardado há mais tempo do que podia imaginar, com mais intenção do que me lembro de desejar. Porque é que nos encontramos cá dentro, porque é que passámos por tanta coisa, porque é que deixámos que o outro entrasse num mundo que não partilhamos com mais ninguém. Onde falamos com um sorriso, de olhos fechados e com alguns toques cheios de significado. Porque não dizemos em voz alta o que realmente sentimos. Onde um olhar diz tanta coisa e onde lemos as interpretações e as dúvidas sem falar. Onde o olhar não se troca de olhos abertos. Até porque alguns sentidos estão tão apagados que nem que soltassem foguetes lá fora conseguíamos ouvir ou sentir. Onde cada toque é novo, apesar de saber todas as curvas que percorre do hábito que achava perdido.

Como é que construímos tanta coisa à margem de nós próprias? É como se eu vivesse em dois mundos, o meu e de toda a gente e o outro onde a maior parte das vezes acho que estou sozinha. Também te achaste sozinha? Onde me faz falta não ouvir a minha voz e deixar chover todas as ideias que tenho presas cá dentro, não ter nada por breves minutos. Não sei porque achei que estava sozinha por lá, que o meu ninho era só meu. Não me lembro de pensar nisto até teres voltado, até não conseguir controlar o meu ritmo mesmo quando há um grande vazio. Até me teres segurado e abraçado com intenção de continuar a abraçar muito depois dos teus braços terem partido. Como é que preenchemos os vazios, os anos, os enganos, as outras pessoas? Como é que parece que não se passou nada entretanto? Como é que guardámos tanta coisa... Como é que mais ninguém nos vê, temos o mundo adormecido à nossa volta.

quinta-feira, abril 05, 2007

Bom dia!

Enquanto acabo o sumo de laranja, olho divertida à minha volta. As cuscas chegam cada vez mais cedo... suponho que nunca há tempo suficiente para dizer mal de toda a gente. Às vezes gostava de saber o que elas dizem de mim, o que conferenciam quando eu entro. Há uma mulher particularmente atraente que vem cá todos os dias beber o café antes de ir trabalhar, é o alvo preferido delas. Não sei se o que dizem dela é verdade ou mentira, mas duvido que seja verdade... é a inveja a falar mais alto. Aposto que queriam ser como ela quando eram mais novas: sofisticadas, independentes e lindíssimas.

No entanto, não é este grupo que me rouba a atenção, mas sim um rapaz ao canto que finge que estuda (como se um estudante de secundário pudesse estudar às oito da manhã!). Acho piada ao facto dele olhar mais vezes para a porta do que para o caderno que tem aberto. Até que ela chega finalmente, sempre apressada, sempre atrasada. O dono conhece-a desde pequenina e dá sempre os bons dias à menina Isabel que agradece e sorri, agarra no bolo e sai a correr. Então o rapaz relaxa e pega finalmente no caderno. É incrível pensar que ele está ali o tempo todo só para a ver durante uns trinta segundos. Divirto-me ainda mais a pensar no que ele imagina quando ela não aparece... será que acha que ela tem uma doença muito grave? Que corre perigo de vida e que espera que ele a vá salvar? Aposto que cada vez que ela não vai buscar o bolo, ele jura que se declara se a voltar a ver. Já o vi a levantar do lugar, enquanto apertava as mãos com muita força para ganhar coragem, mas quando se levantou mesmo já ela tinha ido embora. Acho-lhe piada, pronto. Mas agora que a Isabel se foi, ele também está a arrumar as coisas.

Do outro lado está um grupo de estrangeiros. Há sempre estrangeiros no Verão, normalmente alemães, franceses ou espanhóis. Os últimos ouvem-se com uma certa clareza. Também acho piada ao pessoal que tem o sotaque cá do sítio, é provinciano mas tem a sua piada quando não dizem disparates. Oiço a conversa mas nem estou a tomar atenção ao conteúdo, estou simplesmente a registar as palavras onde a pronúncia é mais cerrada.

Até que tu chegas, ligeiramente atrasado, cabelo com risco ao lado a cair para os óculos. Sorris e iluminas tudo... nem esses teus olhos azuis pequeninos reflectem tanta luz. Sinto que até as cuscas te acham simpático e nem te conhecem. Levanto-me à pressa e nem acabo o sumo. Saio contigo, o meu dia começa agora.

terça-feira, março 27, 2007

O infinito cá dentro

Sinto que não pertenço aqui, assim como sinto que tudo isto - o ar, a maresia, o meu tom de pele preparado para o sol, os olhos escuros, a língua do meu subconsciente - é quem eu sou. A vida não pára, o verde voltou a assolar a terra, as flores aparecem em todos os cantos e a bicharada está de volta. Não sei se gosto desta rotina, desta previsibilidade ou se realmente é tudo novo e eu não me apercebo. Sei que é tempo de avançar, nunca sei muito bem para onde estou a caminhar mas gosto do caminho que estou a percorrer, não me apetece curvar nem tomar atalhos. Avanço devagar, mas com vontade de dar um passo e depois outro.

Esqueço-me do sabor dos morangos com chocolate quente enquanto me delicio com cerejas e penso que as ameixas pretas estão verdes enquanto vermelhas.

Continuo a acordar ao som de rolas, não está frio, nada de mantos brancos, apenas sol, um calor ameno e uma vontade enorme de sair. É a minha estação preferida e volta tudo a ser igual, se calhar até é tudo diferente. Apetece-me dançar à chuva, apetece-me estar ao sol, não me apetece falar, quero sentir-me inundada com os cheiros e as sensações. Recordar o frio ao sol, fechar os olhos e mesmo assim ver o que tenho à minha frente. A dança das pessoas, dar a mão a alguém, descer uma rua muito movimentada só para me sentir ignorada e muito pequenina, mas bem no coração da acção. Ouvir música que me faz sentir nos anos 20, visitar palácios e tremer ao pensar no gelo que atravessa as paredes no Inverno... Divirto-me facilmente, aborreço-me ainda mais e sinto uma necessidade enorme de avançar, o que quer que isso seja. Isto nunca vai mudar em mim.

Choro, rio, vejo o tempo passar, vejo o vento a dançar com folhas e a delinear as curvas que podiam ser os caminhos que percorri ou talvez os milhares que nunca percorri. Olho para trás e apetece-me rir, fazia tudo de novo. É tudo o que tenho, é quem eu sou. Encolho os ombros. Esta noite queria que me nascessem asas e voasse para longe... queria brincar com as estrelas, rodopiar como as luas, explodir em milhões de pedacinhos, tornar-me parte de alguma estrela numa constelação muito longe. Mas também queria acordar exactamente aqui.