quarta-feira, maio 12, 2010

III: Roupa de Carnaval

Tentei levantar-me, mas ainda estava um bocadinho tonta. O Miguel ajudou-me com cuidado e levou-me de novo para o quarto para deitar-me um bocado. Eu fingi que não vi quando ele disfarçou um sorriso ao olhar para a confusão de livros que estavam no chão do quarto, assim como uma prateleira em bastante mau estado. Depois de estar deitada durante alguns minutos, resolvi espreguiçar-me ligeiramente e toquei no meu telemóvel que ainda estava em cima da cama.

- Ó Miguel, chegas aqui se faz favor?

Ele apareceu embrulhado na minha toalha turca e eu não pude evitar uma gargalhada, ainda que o movimento me provocasse uma ligeira dor de cabeça.

- O que é que foi? Já percebi que não queres que eu ande nu, mas não há nada no teu armário que me sirva!
- E eu disse alguma coisa? - Não conseguia parar de rir.
- Não, não disseste. Chamaste-me para quê mesmo?
- Não tarda começo a achar que estou a alucinar e que bati com a cabeça enquanto dormia, tu não estás realmente aqui nu e eu não recebi mensagens estranhas no telemóvel.
- Que mensagens estranhas?
- Foi por isso que te chamei, tu recebeste alguma mensagem assim? - E mostrei-lhe o código que tinha recebido nessa manhã – Recebi cinco assim, todas iguais.
- Não, mas nem acho isso o mais estranho destas mensagens.
- Estás a falar a sério? Então?...
- As mensagens foram enviadas do meu telemóvel!...
- Tu tens o meu número?!
- Achas mesmo que eu ia ter o número de alguém que não me fala há tantos anos?
- Não, mas era uma hipótese. Não faço ideia do que se está a passar aqui... - Agarrei na minha cabeça para tentar controlar a dor e ele acenou em concordância.
- Sentes-te melhor ou nem por isso?
- Considerando que tenho a cabeça aberta e acordei com um ex-namorado na minha cama que está agora enrolado na minha toalha preferida, até acho que estou a lidar muito bem com a situação!...
- Vejo-me forçado a concordar. Especialmente com a toalha preferida, é fofinha!
- Nunca mais vou usar essa toalha!!
- Xi, que simpatia! Eu também tomo banho, sabias?
- Acredito, mas não fazes ideia de onde andaste nas últimas 24h...
- Ok, tens razão. Eu compro-te uma toalha nova.
- Estás à espera que eu me levante e te vá comprar roupa, não é?
- É assim tão óbvio?...
- É, mas por um momento pensei que também podias estar preocupado comigo! - Levantei-me de um salto. - Importas-te de sair para eu vestir-me? Obrigada.
- Entendeste mal, o que eu queria dizer...
- Sai lá! Quanto mais depressa saíres, mais depressa tens calças!
- Nunca pensei que ouvir isso da boca de uma mulher me pudesse dar prazer! – E presenteou-me com um sorriso amarelo.

Talvez fosse a adrenalina de estar zangada, mas a verdade é que a cabeça deixou de doer e vesti-me num abrir e fechar de olhos. Ele queria roupa de homem, era? Pois ia ter roupa! Saí de casa sem dirigir-lhe palavra e ele ainda olhou para mim com ar desconcertado antes de eu fechar a porta. Fui direita à casa dos meus pais e trouxe de lá um dos fatos mais velhos e feios que o meu pai tinha. Só a ideia de ver o Miguel vestido com aquela roupa dos anos 50 estava a animar-me imenso! Entrei em casa triunfante e mostrei-lhe o fato.

- Que porra é essa?
- Pensava que tu só querias roupa que te servisse, não sabia que agora tinhas problemas de moda.
- Moda?! Isso saiu de moda quando inventaram a máquina de costura!
- É pegar ou largar! É domingo e as lojas estão quase todas fechadas.
- Mas onde é que tu foste desencantar isto? Até num concerto dos Beatles ainda na “Cavern” eu ia parecer fora de moda!...

Eu deixei o fato em cima da cadeira do quarto, fechei a porta e fui para a sala. A vingança até costuma saber bem, mas quando reparei que ele tinha arrumado os livros todos e, aparentemente, tentado recolocar a prateleira (sem sucesso), senti um certo amargo na boca. Passados alguns minutos (talvez a lutar com os suspensórios), o Miguel emergiu. Parecia realmente alguém que se tinha metido numa máquina do tempo e acabado de aterrar no futuro! As calças castanhas estavam demasiado curtas e deixavam ver a perna por cima das meias verdes, já para não falar nos sapatos obviamente apertados.

- Deves estar a gozar isto à brava, mas aproveita porque eu vou sair já daqui e só paro na loja mais próxima!
- Ainda não entendi porque continuas aqui, já estás vestido. - Ele suspirou.
- Não me lembrava que eras tão irritante, bolas! Merecias mesmo que eu me fosse embora e te deixasse aqui com aquele buraco na parede e essas mensagens esquisitas no telemóvel!!
- Não era esse o teu plano? Ires-te embora assim que estivesses vestido?...
- Tu és mesmo parva, caramba! Mas tu achas mesmo!? Ainda mais com alguém a espiar-te?!
- A espiar-me?... O que queres dizer?
- Estava eu armado em parvo a tentar arranjar o que tu destruíste – apontou para a estante no quarto - e reparei que tens lá um buraco enorme com um óculo e tudo para o apartamento do lado. Andas a ser observada.

A minha primeira reacção ao medo foi a de sempre: esconder-me. Mas não ia voltar para baixo da cama e deixar o Miguel ali estupefacto a olhar para mim. Concentrei-me e fui até ao quarto verificar o que ele me tinha dito. Era verdade, claro. Lá estava o buraco na parede com um óculo. Há quanto tempo estaria ali? Há quanto tempo andava eu a ser observada dentro da minha casa? E pior, como é que eles tinham feito isto sem eu dar por nada?... Puxei pela cabeça e lembrei-me que o andar com quem partilho aquela parede estava vago. Ou deveria estar. Sentei-me na cama e atirei a cabeça para trás. Que miséria de dia, ainda mal tinha começado e eu já tinha passado por um traumatismo craniano e quase expulsado um homem lindo da minha casa. Homem esse que ainda por cima esteve a dormir nu ao meu lado, ainda que possivelmente sedado! Isto já para não falar que os meus vizinhos (que supostamente não existem) andam a espiar-me.

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