terça-feira, maio 18, 2010

VIII: Fora do Hospital

- Onde é que aprendeste a roubar carros? É que se foi no mesmo sítio onde aprendeste a arrombar portas, eu começo a ter algumas questões em relação às profissões que possas ter tido!!
- Porque é que dizes isso?
- Não sei Miguel, se calhar o facto de estarmos estacionados sabe Deus onde, num carro sabe Deus de quem enquanto tu coses os pontos que eu rebentei? Ah, e com material que surripiaste no hospital?...
- Só pedi emprestado!
- Longe de mim reclamar disso, afinal estás a cuidar de mim! Mas tenho que confessar que estou algo apreensiva em relação à cicatriz final. - Ele sorriu e eu enchi-me de coragem para prosseguir. - Mas tu entras em casas e carros sem chave, pelos vistos sabes qualquer coisa de primeiros socorros e ainda nem me explicaste do que estávamos a fugir ou porque é que saíste do quarto do hotel durante a noite. Visto estar a ser cosida a sangue frio, se calhar era boa altura para partilhares alguma coisa que tu obviamente sabes e eu não?...

Ele olhou para mim com um meio sorriso na cara, inspirou fundo e pediu-me que o deixasse acabar de coser a cratera na minha barriga antes de falar. Eu acedi, afinal não queria que ele ficasse nervoso ou chateado enquanto manejava a agulha... Até que ele acabou, instalou-me confortavelmente no banco de trás, sentou-se no lugar do condutor e fez uma manobra rápida para tirar o carro do meio dos pinheiros à beira da estrada. Assim que atingimos velocidade de cruzeiro, esperei pacientemente que ele começasse a falar.

- Bem Luísa, eu nunca falei disto com ninguém de fora... nem sei bem por onde começar, mas a primeira coisa que tenho a dizer é que não posso contar-te quase nada. Não vou dizer que é para a tua segurança, porque na verdade é mais a minha segurança que está em jogo.
- Ok, então conta só o que te apetece. Ou canta para me entreteres, sei lá!
- Bem, isto é mesmo como nos filmes. Eu trabalho para umas pessoas que querem saber coisas de outras pessoas e assim desse género, estás a entender?
- Sim, e não quero saber se matas pessoas.
- Ó Luísa, achas mesmo? Pronto, não é assim tão à filme! Continuando, eu fui contratado para analisar uma situação e desconfio que não me contaram tudo porque isto está a ficar descontrolado!...
- Deixa-me adivinhar, essa "situação" tinha alguma coisa a ver com o hotel onde ficámos?
- Sim... como sabes?
- A primeira coisa que fizeste ao chegar ao quarto foi tirar o computador! Nem acredito que me foste meter mesmo na boca do lobo! E explica-me lá porque é que me deixaste sozinha?
- Eu estava a trabalhar quando reparei num carro em particular e achei que valia a pena investigar...
- Viste um carro em particular daquela altura?... Aposto que era um carro do governo, a única maneira de veres um carro que te interessasse em particular tinha que ser um daqueles em que os faróis fazem aquelas coisas todas esquisitas!
- Eu tenho binóculos sabes?...
- E foste estúpido o suficiente para sair pela janela?!
- Achei que passar pela recepção era demasiado fácil!
- Ia morrendo de medo e ainda por cima rebentei os pontos!!
- Desculpa!...
- E agora vamos para onde?
- Já vais ver.
- Oh, por favor! Eu quero ir para um sítio que eu conheça! Não quero ter mais nada a ver com isto.
- Tem calma, eu prometo que não te envolvo mais.
- Não me envolves mais? Foste tu que entraste na minha casa e te deitaste ao meu lado?...
- Obviamente que não entrei na tua casa nu e me deitei ao teu lado! Bolas Luísa, pensas que eu sou o quê?!
- Sei lá... tu não és quem eu pensava. Não me interpretes mal, estou muito contente que estejas comigo e saibas coser uma ferida e tudo, mas não és o Miguel que eu conheci. És outro Miguel.
- ...
- Agora explica-me o que se passou no hospital.
- Eles sabem que eu te conheço e isso é a única explicação possível para me terem deixado na tua casa. Mesmo depois da descoberta do óculo nunca pensei que estivesses em risco, achei que estavam apenas a observar-te... mas no hospital foi diferente.
- Ele ia matar-me, não é?
- Não sei Luísa. Não sei se o alvo eras tu ou eu.
- E na segunda vez, o que se passou no hospital?
- Eu estava a caminho não sei de que sala para fazer um exame qualquer e vi-o de novo, o homem que entrou no teu quarto. A única coisa que podia fazer era procurar-te para sairmos dali o mais depressa possível!

Os pêlos do meu braço estavam completamente eriçados e o meu coração saltava no meu peito como se estivesse numa final de um campeonato qualquer. Realmente eu não queria saber mais nada... quem era este Miguel? O que é que ele fazia realmente? Mas até estas perguntas eram irrelevantes porque agora o que interessava era não ter homens estranhos a entrar no meu quarto com bisturis e outras coisas afiadas. Tinha que confiar nele, não podia fazer mais nada.

- Luísa? Estás bem?
- Estou.
- Não estou habituado a que não tenhas nada a dizer! - Tentou uma piada.
- Estou a tentar organizar-me.
- Não compreendo como consegues estar tão calma. Acontece-te muitas vezes teres a vida virada do avesso e seres perseguida?
- É a primeira vez na minha vida que não durmo em casa duas noites seguidas.
- Isso não é verdade!!

Não pude evitar um sorriso... que se estendeu numa gargalhada. Senti finalmente uma sensação inexplicavelmente boa a percorrer-me o corpo e relaxei. Sem dúvida que ia confiar nele e em tudo o que ele me pedisse para fazer. Acho que adormeci nesse momento.

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