sexta-feira, maio 14, 2010

V: No Hospital, parte I

- Luísa? Luísaaaa, estás a ouvir-me? Luísa, por favor responde!

Devo ter feito uma careta horrível porque a minha cabeça doía-me como nunca. Abri apenas um olho com medo que a claridade fizesse a minha cabeça explodir. Vi o Miguel a abanar-me ligeiramente enquanto me salpicava com água fria.

- Dói-me tanto a cabeça... - disse eu num sussurro.
- Ó Luísa, desculpa! Nem acredito que te magoei assim!

Ele estava deveras assustado a olhar para mim. E eu também fiquei deveras assustada quando vi as mãos dele ensanguentadas.

- Miguel... esse sangue é meu?... Será que podes ligar para o 112? - sussurrei de novo.
- Já liguei. Eles vêm a caminho. Eu até te levava, mas tenho tanto medo de mexer-te daqui!...
- Sim, acho que prefiro uma viagem de ambulância que aos soluços - tentei sorrir.
- Calma, vai ficar tudo bem.

A dor de cabeça tornou-se insuportável, ou talvez tenha sido a perda de sangue e desmaiei de novo.

Acordei num quarto que cheirava imenso a desinfectante, o que me deixou extremamente mal disposta. Pus a mão na boca e reparei que o meu pulso estava entubado. Estava a soro... hospital. Perfeito, o dia estava a correr mesmo bem e ainda nem era hora de almoço! Olhei para a porta do quarto, o Miguel estava lá a falar com alguém. Ainda estava vestido daquela forma ridícula e eu senti algum peso na consciência que podia muito bem ser explicado pela dor de cabeça. Suspirei e deixei-me estar de olhos fechados para controlar as náuseas.

- Miguel?...
- Ah, estás acordada! Como te sentes?
- Pergunta estúpida!...
- Ok, ok... estás de volta, estou a ver - e sorriu, mas também reparei no grande alívio que a cara dele desenhou.
- O que é que eu tenho? Estou tão mal disposta!...
- Sinceramente também não percebi metade do que o médico disse, estava um bocado nervoso! A ferida que tens na barriga teve que ser cosida mas está tudo bem, não tens nenhum órgão afectado. A dor de cabeça parece que é das sucessivas pancadas, mas não apareceu nada nos exames que te fizeram. Ele diz que vais ficar bem! Amanhã deves ter alta e depois voltas daqui a uma semana para te tirarem os pontos. Se quiseres eu posso trazer-te cá. Ó Luísa lamento imenso ter-te partido a cadeira e caído em cima de ti! Mas se te ajuda como forma de vingança, estou aqui há horas à seca e ninguém me dizia nada!...
- Que horas são?
- Quase seis da tarde.
- Seis?! Mas quanto tempo é que eu estive apagada??
- Não sei se estiveste sempre desmaiada ou se te deram alguma coisa para dormires entretanto. Mas o INEM chegou lá a casa por volta da uma, acho eu.
- Meu Deus!... Ó Miguel, desculpa! Estou tão arrependida de te ter feito vestir isso e tu estás aqui há tantas horas porque eu sou uma desastrada!!
- Acho que vou ter que partilhar dessa culpa também e ficamos quites, combinado?
- Combinado! E vai lá comprar qualquer coisa e trocar de roupa.
- Que mania de mandar-me embora! Fico aqui mais um pouco se não te importas, para ver como é que isso evolui em relação à tua cabeça. - Eu sorri, mas de repente senti-me bastante cansada e penso que adormeci.

Acordei com um estrondo enorme no quarto, como se alguém tivesse tropeçado num armário de metais e cada um deles resolvesse cair um milissegundo após o outro. Abri de imediato os olhos. Não conseguia ver nada, estava tudo escuro e de repente extremamente silencioso. Tentei acender a luz, mas cada vez que carregava num botão a cama subia, baixava, dobrava-se, abria, fechava... sei que quando finalmente acertei na luz, a minha cama parecia o mar alto e os pontos na barriga ameaçavam não aguentar a nova forma que a marquesa tinha adquirido. Olhei à volta mas não conseguia ver quase nada do quarto.

- Miguel? Miguel? Oh... está aí alguém? - A voz saía-me extremamente fraca e rouca.

Tentei sair da cama, mas era impossível sem piorar a situação. Então, com alguma paciência, resolvi correr os botões todos de novo até conseguir baixar a marquesa e torná-la minimamente horizontal para conseguir levantar-me. Rezei para que um daqueles botões fosse para chamar uma enfermeira. Sentia-me como se tivesse sido operada ao apêndice novamente, o que dentro do mau até era bom porque sabia o que fazer. Sem dobrar a barriga lá consegui deslizar na cama e colocar um pé no chão seguido do outro que suportava o peso do meu tronco. Foi então que vi o estado do chão do quarto: um carrinho cheio de prateleiras com os mais variados utensílios cirúrgicos estava agora vazio, enquanto que estes povoavam densamente o chão do quarto. Reparei com algum horror que tinha tido muita sorte em não pisar nenhum bisturi ou uma agulha ou qualquer coisa cortante e afiada já que estava descalça! Como não podia dobrar-me para apanhar nada do que estava no chão, fui afastando as coisas com o suporte do soro e consegui chegar à entrada do quarto. A ala estava completamente deserta. Senti que o meu coração batia cada vez mais depressa, as náuseas voltaram, estava a hiperventilar e sentia suores frios pelo corpo. Mas o que é que estava a acontecer-me?!...

2 comentários:

  1. Esta história parece uma viagem de carrossel...

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  2. Desde que seja de animação e não de tédio, é na boa! :)

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