Eu olhei para a pomba com algum espanto, era como se ela estivesse a voar ao som de uma música. Fiquei a seguir o trajecto dela, enquanto o auricular continuava a debitar sons e tentava roubar de volta a atenção que a visão tirava aos meus outros sentidos. “Concentra-te!” pensei... tinha que estar concentrada. O ângulo da rua estava ligeiramente tombado, como se eu estivesse pendurada na fachada de um arranha-céus. E era essa a minha visão, já que era também precisamente essa a minha posição. Fechei os olhos, respirei fundo e lancei o meu braço direito em direcção ao último apoio. Desequilibrei-me para poder lançar todo o peso do meu corpo para a direita e quando finalmente expirei, a minha mão direita estava fechada em torno da vedação da varanda do 27C. Depois de me permitir um pequeno sorriso de triunfo, balancei-me mais um pouco e saltei para a varanda. A primeira parte do plano estava completa, a segunda (e a que me causava mais dúvidas) estava agora a começar.
…
O dia amanheceu com um sol incrível. A força do sol era suficiente para evaporar as memórias cinzentas das últimas semanas. Espreguicei-me, sempre colada ao vidro da janela. Hoje até apetecia levantar cedo, ou pelo menos, estar acordada para gozar a sensação acolhedora de ter o sol a aquecer-me a pele. Lá tomei o pequeno-almoço e resignei-me a ligar o telemóvel, coisa que estava a adiar há algum tempo. Tinha a sensação que me iam pedir qualquer coisa que eu não ia gostar. Abanei a cabeça com um ligeiro sorriso, qual tinha sido a última vez que as minhas “sensações” tinha acertado nalguma coisa?... Introduzi o pin e esperei que apanhasse rede. Enquanto apanhava o cabelo, o telefone entrou em várias convulsões. Suspirei enquanto esperava que ele acabasse de receber todas as notificações e levantei-o finalmente à linha dos meus olhos: trinta chamadas não atendidas. Cinco mensagens por ler. Ignorei as chamadas não atendidas porque não planeava ligar de volta e abri as mensagens. Quando abri a terceira mensagem e continuei sem perceber o conteúdo porque era uma série de números e letras igual à que aparecia nas primeiras duas mensagens, comecei a ficar preocupada. Eu sabia que não devia ter ligado o telemóvel!...
Afastei-me das janelas por puro instinto. “Porra, logo hoje que tinha acordado tão bem disposta!”. Atirei o telefone para cima da cama e só quando o telefone acertou em alguém é que me apercebi que não tinha acordado sozinha. Por um momento, tive um acto irracional e tentei esconder-me debaixo da cama. Saltei para o chão e esperei, mas não ouvi som nenhum. Depois de um momento mais racional, decidi que tinha a certeza que tinha entrado em casa sóbria no dia anterior e levantei ligeiramente a cabeça até conseguir observar por cima da cama. O meu nariz deu por ele demasiado perto do dedo grande do pé de alguém e, infelizmente, não foi a visão o primeiro sentido a dar alarme da existência desse pé! Fiz a careta habitual e toquei com o indicador no dedo do pé desse alguém. Não aconteceu nada. Tentei outra vez, mas agarrei o dedo do pé e puxei com força. Nada! E pior, o dedo do pé estava gelado!! Novamente assustada, voltei a esconder-me debaixo da cama enquanto avaliava as minhas hipóteses. Outro problema: não tinha hipóteses. Tinha um homem morto em cima da minha cama. Será que era mesmo verdade? Voltei a puxar a cabeça para fora e espreitei. Sim, o pé continuava lá.
Mas como raio veio parar um homem à minha cama? Um homem morto, por sinal. E já agora, sem que eu tivesse dado por nada?! Eu até me lembrava perfeitamente da noite anterior, não podia ter sido drogada.. ou assim. Um homem morto. Pois. Se me tivesse drogado, duvido que ele tivesse escolhido ficar por aqui. Ou se calhar tomou ele a droga por engano? O homem... aaah, o homem. O homem morto. Hum, e se eu conhecesse o homem? Eu não sabia o suficiente de homens para identificá-los pelos pés. Inspirei fundo para evitar cheirar de novo o odor a queijo que saía daquela ponta da cama e lá me arrastei para fora do meu esconderijo, isto é, debaixo da cama. Depois de alguma luta interna, levantei-me completamente. Apenas dois pés no chão como os bípedes costumam fazer e espreitei.
eheh.. muito excentrico o texto
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