segunda-feira, maio 17, 2010

VII: No Hospital, parte III

- Mas eu não quero ficar sozinha num hotel!! Eu quero ficar contigo! Ou com protecção policial... ou noutro país?
- Mas quem é que te disse que ias ficar sozinha? Eu vou ficar aqui contigo!
- Mas tu pediste um quarto que está no nome de "José António Fagundes"?
- Não ia dar o meu nome verdadeiro, e muito menos o teu, não é? Eu tenho dois dias a menos na minha vida, a tua casa parece um queijo suíço e agora até a remodelaram!
- Tudo bem... desde que fiques comigo.
- Eu fico. Tem calma.

Encostei-me a ele e apertei-lhe o braço com força. Ele ajudou-me até ao elevador e subimos até ao quarto. Já dentro do quarto, que parecia decorado como qualquer outro quarto de hotel, continuei sem largar o braço dele.

- Olha que o aluguer do braço é mais caro!
- Ah, desculpa - corei - ainda estou assustada. Acho que vou deitar-me um bocadinho para ver se relaxo.
- Sim, faz isso, descansa.

Deitei-me enquanto ele tirou o portátil da mochila e achei deveras fascinante que ele tivesse vontade de trabalhar. Não sei exactamente como foi possível, mas entre as dores, o cansaço, medo e talvez até um bocadinho de terror, adormeci assim que me deitei na cama.

Acordei a meio da noite com o som de um carro a chiar na estrada. Acendi a luz da mesinha de cabeceira e chamei pelo Miguel. Ninguém me respondeu por isso achei que ele tinha saído. Levantei-me com cuidado para fechar a janela que estava aberta, o que explicava porque é que eu tinha ouvido tão bem o carro lá em baixo. Lembrei-me que o hotel era bem alto e resolvi espreitar para ver se sentia vertigens. E realmente senti uma vertigem, mas porque era capaz de jurar que era o Miguel que estava estendido na estrada!! Corri direita ao elevador, contei e amaldiçoei a eternidade que demorava a passar cada andar, até que cheguei finalmente à recepção e corri em direcção às portas giratórias enquanto gritava por ajuda. Até que por fim cheguei à rua e, sem reparar se vinha outro carro, corri para o corpo estendido na estrada. Ele estava de cabeça voltada para baixo mas eu reconheci a roupa. Era o Miguel.

- Miguel? Miguel!! Por favor, alguém chame o 112!..

E eis-me de novo no hospital à espera que alguém me refaça as costuras e que me diga o que se passa com o Miguel, após ter respondido a um longo inquérito sobre o facto de eu ser uma possível vítima de violência doméstica. Nem me espantaria que fizessem o mesmo ao Miguel se eu estivesse em condições de conduzir... E para ajudar, haviam uns tantos pacientes no hospital que me olhavam de lado por estar na sala de espera deitada numa maca. Tentei abstrair-me deles e pensar na minha vida. Eu até há 48 horas tinha casa, tinha uma vida, tinha uma barriga apenas com uma cicatriz e não fazia ideia de que estava apaixonada pelo mesmo homem há tantos anos. Pelo menos esta parte explicava porque é que eu não conseguia achar nenhum homem interessante durante mais de duas horas, o tempo que durava um jantar. Mas estar a ser espiada pelos vizinhos do lado que eu nem sabia que tinha não era tão fácil de explicar. E a parte de alguém ter largado o meu ex-namorado na minha cama através do tecto enquanto ele estava inconsciente e nu também me escapava. Porque é que alguém estava interessado em vigiar-me e saber de mim? Eu sempre me achei uma pessoa completamente desinteressante e anónima. A única coisa que eu sabia que não era coincidência era o Miguel ter sido "depositado" na minha casa. Quem quer que estivesse por trás disto sabia que nos conhecíamos, seria demasiada coincidência de outro modo. Mas como e porquê?!...

- Luísa Alves?
- Eu!
- Importar-se de chegar ao balcão?
- Por acaso importo! Sou a única pessoa na sala de espera numa maca por alguma razão! Ou vão coser-me de pé aí ao balcão?!

Ninguém me respondeu, mas passado pouco tempo um enfermeiro veio buscar-me e os meus pés (e não o fundo da maca) abriram a porta de par em par para a zona "reservada". Deixaram-me no corredor com a indicação que ia ser já atendida. Não sei porquê, mas comecei a contar segundos para distrair-me e saber quanto era um "instante hospitalar". Para minha surpresa, não apareceu nenhum médico nem nenhum enfermeiro, mas sim o Miguel. E apareceu muito bem porque estava de costas e eu conseguia ver o rabo dele através daquelas magníficas batas que nos dão quando estamos internados no hospital. Fiquei a pensar que a bata favorecia-o mais do que era suposto. Por outro lado, o Miguel tinha sido atropelado e eu só podia estar a alucinar!... No entanto, não evitei fazer-me notar:

- Miguel?...
- Ah, estás aqui!!
- Estou aqui? Mas onde é que haveria de estar? Olha lá, não foste atropelado nem nada? Ou foi só impressão minha?!
- Não exactamente. Eu saltei por cima do carro mas saltei mal e caí ainda pior, devo ter batido com a cabeça algures.
- Isso é o veredicto do médico ou o teu?
- Olha, não é para assustar-te, mas temos que sair daqui depressa, ok?
- Eu rebentei os pontos na barriga, não consigo ir a lado nenhum. Mas porque é que vamos fugir de um hospital?
- Agora não há tempo para explicar grande coisa, temos mesmo que ir. Deixa-me ver isso. - Levantou-me a camisa ensanguentada e fez uma careta. - Isto vai doer... mas confia em mim.

Claro está que eu nem tive tempo de perguntar porque é que devia confiar ou reafirmar a minha confiança nele porque ele pegou em mim tipo saco de batatas e eu abafei um grito de dor. Fiquei outra vez com a sensação de que estava a alucinar. Aqui estava o Miguel acabado de atropelar e a correr bastante depressa para quem tem um peso morto às costas. Por outro lado, tinha que pensar nalguma coisa para abstrair-me do facto de ter o meu nariz perigosamente perto do sítio onde as costas dele perdiam o nome. Além disso, o meu cabelo caía sobre... hum, melhor focar-me noutra coisa! Não estava a ser muito bem sucedida na abstracção, mas a verdade é que não me voltou a doer nada durante a corrida. Seria possível que estivesse a ficar imune à dor? Ou se calhar doía-me tanta coisa que eu já não conseguia decidir o que é que doía mais.

- Miguel, acabaste de tirar um estojo de primeiros socorros daquele tabuleiro?
- Sim.
- Sabes que é ilegal, para não dizer imoral, roubar um hospital?
- É uma emergência.
- Estamos a ir para onde?
- Shhh!
- Tens um rabo muito bonito?...
- ...

4 comentários:

  1. Brilhante. Mantiveste o suspense e ainda me provocaste algumas gargalhadas!
    Não sei porque é que o teu comentário desapareceu do meu blog! Juro que não fui eu :).
    Devem ter sido forças do oculto...
    umumumuaaahahahahahha! (riso maquiavélico)

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  2. Gargalhadas? Hum, isso é bom sinal! :)

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  3. onde as costas dele perdiam o nome..
    Muito bom.

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