quinta-feira, maio 20, 2010

X: A Véspera do Dia D

- Sim. - Acenei com a cabeça. - Percebi. Quanto tempo achas que demoro até poder fazer isso?
- Não sei, o corte na tua barriga não vai ajudar nada! Mas temos que começar o mais depressa possível. Tens a certeza que queres mesmo fazer isto comigo?
- Mesmo que eu não quisesse, ia voltar para o quê?... Não sobrou nada do que eu reconhecia como a minha vida.

Ele assentiu e começou a explicar-me o plano dele mais detalhadamente. O meu treino começou pouco depois. Os dias que se seguiram foram o oposto dos anteriores. Passávamos o dia no exterior, enquanto ele me explicava e ensinava o básico do que eu precisava saber. Aprendi a escalar como deve ser e, acima de tudo, voltei a rir e a ter vontade de acordar no dia seguinte. A única parte do plano dele que eu não gostava era o facto de só saber o que tinha a fazer e não ter ideia do porquê ou do que se estava realmente a passar. Não tinha uma visão global do que o meu papel significava e isso não me deixava particularmente confiante.

O dia D aproximava-se perigosamente, até que dei por mim na véspera no dito. Era princípio de noite e eu não acusava a proximidade, sentia-me exactamente como nos outros dias: completamente exausta. Saí do banho, vesti o roupão enorme do Miguel e abracei-me para enxugar-me o melhor possível já que não tinha nenhuma toalha. Cheguei-me ao lavatório para examinar ao pormenor a minha cara cheia de arranhões e, quando me cheguei ao espelho para avaliar um corte em particular, levei com a porta de lado na cara e não evitei um grito de dor. Ainda com a cara a latejar, voltei-me para ele:

- Então pá? Já não se bate à porta?
- Ups! Estás bem?
- Sim... - Olhei para ele de cima abaixo. - Andas a passear-te pela casa nu?

Ele respondeu-me com um sorriso que era um misto de orgulho e atrapalhação. Ficámos os dois parados, frente a frente sem saber o que fazer, enquanto eu ainda massajava a face e orelha esquerda. Ele acabou por ficar preocupado e aproximou-se.

- Deixa-me ver. Eu acho que não abri a porta assim com tanta força.
- Não, está tudo bem! Eu é que não estava à espera...
- Eh lá! Deixou marca e tudo! Ora chega-te mais perto da luz, se faz favor.

Extremamente desconfortável com o espaço tão pequeno e ele nu, cheguei-me mais perto dele e deixei que ele me levantasse a testa enquanto baixava a cabeça dele para ver melhor. Os lábios dele estavam tão perto que eu fiquei gelada na mesma posição com medo que um bocadinho da minha pele pudesse tocar na dele.

- Dói-te? Só queria ver se tinha algum alto. Luísa? Sentes-te bem? - Eu fechei os olhos, efectivamente não me sentia nada bem. - Luísa?!...

Senti-me a deslizar, como se o chão estivesse a desfazer-se numa nuvem. Estava quase a lançar-me na calma prometida do inconsciente quando senti um rebate da minha própria vontade e o sangue voltou a correr. Senti o meu peito a elevar-se com uma lufada de ar fresco e agarrei-me ao Miguel para não cair. Não sei se ele disse alguma coisa ou não, mas descobri a minha cara e cabelo molhado contra o peito dele e senti-me bem assim. Estava quente e sentia-me segura, deixei-me estar.

- Luísa? Estás a ouvir-me? Bolas, eu não abri a porta assim com tanta força!
- Ah, sim... desculpa. Está tudo bem, foi só uma tontura...

Nem queria imaginar a figura triste que estava a fazer quando olhei para cima e vi os olhos confusos dele a olhar para baixo, para mim. Ele de braços abertos e eu agarrada a ele tipo lapa, já sem qualquer medo de cair. Mesmo assim, não consegui afastar-me e fiquei ali. Achei que podia passar a batata quente para o lado dele, ele que decidisse o que fazer. Deixei-me estar em silêncio e quando ele desistiu de esperar por uma reacção do meu lado, fechei os olhos e cerrei os dentes com força, à espera que ele trouxesse as minhas mãos de trás das costas dele e me obrigasse a partir o abraço que me cingia ao tronco dele. Estremeci quando senti que afinal os braços dele caíram nas minhas costas e me apertaram carinhosamente contra ele. Senti de novo uma onda de pura felicidade a percorrer-me o corpo. Olhei para cima para devolver um sorriso, mas ele tinha os olhos fechados enquanto percorria vagarosamente as minhas costas, ainda que por cima do roupão. Esperei pacientemente que ele reabrisse os olhos e perdi o sorriso durante a espera, talvez o tenha perdido de vez quando ele se inclinou para mim e levantou o meu queixo com o indicador direito. Os meus lábios beijaram os dele, mas eu já não vi essa parte porque mergulhei completamente em direcção à cara dele e fiz com que nos desequilibrássemos.

- Eh lá! Cuidado!... De onde vem essa força toda? - Ele riu-se e eu corei violentamente.
- Desculpa. Não sei o que se passou. Eu...

Ele mostrou-me um sorriso lindo e eu fiquei hipnotizada. Não tentei beijá-lo de novo, mas deixei que ele me descesse o roupão do ombro esquerdo e mo beijasse, assim como o osso que leva ao pescoço, o pescoço, o maxilar, a maçã do rosto... Eu deixei a cabeça tombar ligeiramente enquanto a consciência abandonava o meu corpo, fiquei com as emoções à flor da pele e deixei que o resto se desenrolasse entre o meu desejo e o dele.

2 comentários:

  1. Bem, esta última descrição está extraordinária. Acho que consigo copiar para a minha imaginação tudo aquilo em que pensaste.

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  2. Muito obrigada! Confesso que me senti melhor a escrever a história daqui para a frente porque foi finalmente quando percebi onde queria chegar.

    Espero conseguir continuar a passar imagens por palavras! É uma das minhas partes preferidas do que escrevi nesta história :)

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