quinta-feira, maio 27, 2010

XVI: O Dia D, parte VI

A Lola, a Mimi e a Laura eram fantásticas e ainda correu melhor do que eu tinha planeado! Não sei como é que elas conseguiram, mas atraíram pelo menos uns dez "capangas" ao nosso andar e nós garantimos que eles não teriam sono leve nessa noite. A agitação no 27º andar acalmou com a falta de homens e a equipa pseudo-liderada pelo Miguel estava finalmente preparada para entrar. Digo "pseudo-liderada" porque era óbvio que ele não estava em condições nem de se lembrar que para andar é preciso colocar dois pés no chão alternadamente. Eu e o Xavier, que descobri ser o nome do convencido da mota, liderávamos a operação até porque eu me recusava a contar-lhes tudo o que sabia com medo que eles me deixassem ficar para trás. Apesar da minha animosidade em relação ao Xavier, a verdade é que ele agora olhava para mim com alguma admiração e eu gostava da sensação.

Subimos todos juntos, todos de preto, até ao 27º andar pelas escadas. Eu protestei porque estava extremamente cansada de andar acima e baixo e, agora que estávamos em maior número, custava assim tanto usar o elevador?!... Contrariada lá subi as escadas com aquela malta toda atrás de mim. Os traficantes (ou lá o que eram) ficaram surpresos por ver tanta gente entrar num piso supostamente sem acesso e também pela falta do aviso que era esperado por parte da segurança privada. Penso que se aperceberam rapidamente que estavam em menor número e deixaram-se ficar parados até ver como a coisa se desenrolava. Eu entendi, seria exactamente o que eu faria no lugar deles.

No entanto, um deles (o chefe?) não parava de remexer na secretária. Não parou nem quando estava completamente cercado e apontado como alvo de várias armas que me pareceram que podiam disparar sozinhas só com a tensão combinada que flutuava naquela sala. Eu deixei-me ficar para trás, o facto do homem não se importar se ia morrer ou não chocou-me um bocado. Os papéis eram mais importantes que a vida dele? Ocorreu-me entretanto que talvez fossem mesmo a vida dele. Apesar de nunca ter pensado em mim como racista, a verdade é que ver alguém exactamente igual a mim por trás de uma organização criminosa perturbou-me um pouco. Aquele homem poderia passar por um executivo europeu, norte-americano, etc. quando quisesse. Os filmes poupam-nos sempre a estas realidades...

Houve alguma troca de palavras que eu não percebi e o homem na secretária sorriu e mostrou-nos o que me pareceu um mecanismo qualquer. Supus que não servia para ligar a televisão nem para fechar os cortinados. O Miguel colocou-se automaticamente à minha frente, mas como me deu ideia que a origem do problema seria uma bomba, não vi como é que ele ia impedir que eu voasse aos pedacinhos assim que a bomba deflagrasse. Mas foi querido na mesma. O resto do pessoal estava parado como se agrafado ao chão. O homem continuou a falar, provavelmente a pedir para lhe entregarem o que eu tinha escondido ou rebentava com o hotel. Suponho que rebentar com S. Bento não teria surtido o efeito desejado de apelar ao nosso sentido de sobrevivência. Só por descargo de consciência, não fosse ele estar mesmo a tentar rebentar com outra coisa qualquer, acabei por perguntar ao Miguel:

- Aquilo é o detonador de uma bomba, não é?
- Sim, shhh!
- A bomba está aqui no hotel?

Não consegui resposta, mas consegui concentrar toda a atenção da sala em mim. Olhei à volta e sorri, confesso que estava demasiado despreocupada para quem tem um maluco na sala com um detonador nas mãos. Era provavelmente cansaço e efeito retardado do dobro da medicação para as dores que tinha tomado naquela manhã. O homem recomeçou a falar naquela língua de trapos, mas agora sempre voltado para mim. Sentia mesmo falta de ter um tradutor simultâneo na minha orelha, um peixe de Babel seria o ideal! Quando o homem apontou para mim e o Miguel se pôs completamente à minha frente, comecei a achar que a minha situação tinha acabado de piorar, se é que isso era possível! Irritada com a situação, especialmente porque achava que agora tinha o direito a saber o que se passava, acabei por desabafar:

- Mas será que não há ninguém nesta sala que me explique o que raio se está a passar aqui?!

Silêncio... podia ouvir os sons do meu estômago e os rins a reclamarem por estarem apertados há tantas horas. Sentei-me de cócoras no chão, resignada a esperar que continuassem aquela conversa em chinês. A conversa lá prosseguiu bastante mais incendiada entre o Miguel e o homem. Ao fim de cinco minutos daquilo deu-me vontade de bocejar, o que era extremamente inapropriado, mas o que é que eu podia fazer?... E eis que me ocorreu finalmente qualquer coisa: naquela posição eu estava demasiado baixa para que o maluco do detonador me visse. A primeira hipótese seria desarmá-lo, mas dado o meu conhecimento sobre detonadores, era mais provável que eu explodisse com qualquer coisa primeiro. Sendo assim, havia também a bomba. Onde é que aquele maluco poderia ter metido uma bomba? Lembrei-me do elevador de cargas, pareceu-me central o suficiente para poder causar danos ao hotel todo. Mas eu também não sabia como desmontar a bomba, o que era uma chatice. E é claro que ele não estava sozinho e que havia um plano de fuga, senão estaria a negociar um acordo para não ser extraditado e não a fazer exigências. Também podia ser bluff, mas a verdade é que os do meu lado estavam a fazer bluff visto ninguém saber onde estavam realmente as provas que eu tinha escondidas. Nestes termos, imagino que não era realmente uma negociação fácil! Mas sendo assim só restava mesmo uma hipótese. Devagarinho, fui de gatas até à casa-de-banho da suite e achei impressionante o facto de ninguém ter reparado em mim. A negociação estava mesmo a necessitar de uma grande dose de concentração! Abri o caixote de lixo, tirei o caixote do lado de dentro e entre os dois lá estava o envelope colado com pensos rápidos. Pronto, agora era respirar fundo e esperar que a minha sorte de principiante continuasse a aparar-me os golpes.

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