sábado, maio 15, 2010

VI: No Hospital, parte II

- Então, tem lá calma. Pára lá de chorar, calma!
- Ó Miguel, mas como é que eu posso ter calma? Então acordo aqui sozinha num hospital, não há ninguém para acudir-me e atravesso um mar de bisturis no quarto!! Mas o que é que se passou? Porque é que ninguém me explica nada? Onde é que estão todas as outras pessoas? Acho que se tens chegado cinco minutos mais tarde ias encontrar-me ali estendida no chão de novo, estava a entrar em pânico!
- Eu também não sei o que se passou. Estava a dormitar no sofá e ouvi a porta a abrir-se, entrou alguém com um carrinho e pensei que fosse uma enfermeira. Mas depois quando percebi melhor a silhueta, vi que não podia ser porque não tinha bata e era um homem enorme, parecia um segurança!
- Credo!... E depois?
- Bem, mesmo assim não pensei que fosse perigoso e levantei-me para perguntar o que se passava. Acho que assustei-o, assim que ele me viu tentou fugir e atirou-me com o carrinho! Eu corri atrás dele, mas perdi-o no andar de baixo. Nessa altura achei que o melhor era vir ver-te e encontrei-te à porta do quarto apoiada no suporte do soro e branca como cal...
- Mas onde estão as enfermeiras? - Uma lágrima de medo rolou pela minha face enquanto revivia o momento.
- Não sei, parece que estão com falta de pessoal e como este andar tem as pessoas que estão prestes a ter alta, as enfermeiras lá de baixo fazem algumas rondas aqui por cima, mas não estão cá permanentemente.
- Estou cheia de medo Miguel... quem seria? Obrigada por teres ficado aqui comigo esta noite...
- E eu era capaz de ir a algum lado depois do estado em que estavas? Tenta acalmar-te, ainda bem que não rebentaste os pontos. Amanhã levo-te para casa.
- Não!! Eu não quero ir para a minha casa!
- Hum... pronto, ficamos na minha mas temos que passar primeiro pela tua para ver o que é que se passa por cima do teu tecto!
- Eu não vou conseguir pregar olho a noite toda.
- Claro que vais!
- Ai que embrulhada! E ainda não entendi nada do que se passa aqui e muito menos como é que tu foste acordar na minha casa!..
- Nem me digas nada, até eu sinto que estou apanhado no meio de um filme que não é exactamente meu. Só queria ir para casa, tomar um bom banho, deitar-me e esquecer que tudo isto aconteceu.

Eu não disse nada, mas eu preferia que ele não tivesse dito aquilo. Apesar de ter o mundo virado de pernas para o ar, eu não queria esquecer o facto de que ele estava ali ao meu lado, mesmo que não tivesse querido saber de mim há demasiados anos. Acordei no dia seguinte depois de mal ter dormido e com um certo mau humor. Tentei não falar muito para não dizer disparates. O Miguel tratou dos papéis por mim e lá tive direito a sair do hospital, após as inúmeras recomendações para a minha rápida recuperação. Não fosse a vontade de sair de lá, tinha escrito uma reclamação de vários quilómetros sobre a falta de segurança naquela instalação hospital e exigir uma indemnização choruda!! O Miguel conduziu-nos até ao meu apartamento, e conduziu depressa demais apesar dos meus protestos.

- Mas tu fazes o quê mesmo? Tens um carro desportivo, conduzes demasiado depressa e estás evidentemente em muito melhor forma física do que quando eu te conheci!...
- Nada de especial, sou contratado por empresas para cobrar dívidas difíceis e tal.
- Ah, isso explica o teu aspecto... olha, importas-te ir mais devagar??
- Oh, é já ali!
- Não queres ir lá sozinho?
- Queres ficar aqui sozinha?

Vencida, mas não convencida, lá saí do carro com ele. Ele ajudou-me a sair e lá fomos os dois até ao elevador e depois até ao meu apartamento. Coloquei a chave na porta mas a fechadura não abriu.

- Estamos no andar certo? A chave não funciona.
- Não? Deixa-me experimentar.

Virei-me para entregar-lhe a chave, mas ele estava a pensar noutro método. Tirou um cartão e uma ferramenta qualquer de metal dos bolsos e abriu a porta em menos de cinco minutos.

- Eh lá! Também quero aprender a fazer isso! Onde é que fizeste o teu estágio??

Ele sorriu e levantou a palma da mão de modo a impedir que eu entrasse. Eu rodeei o braço dele e espreitei na mesma.

- Acho que acabaste de arrombar a casa errada, este apartamento não é meu!!
- É o teu sim.
- Achas mesmo?! Eu alguma vez tinha uma mesa vermelha no corredor de entrada? E olha o quarto, uma colcha cor-de-rosa com quadrados verdes? Que pirosice!
- Eu não disse que tinhas sido tu a decorar o apartamento, apenas que é este o teu.

Eu fitei-o durante uns instantes até perceber onde ele queria chegar. Efectivamente era aquele o andar certo e aquela era a porta certa. Fui à cozinha e os armários estavam vazios, o meu quarto não tinha um único objecto meu e até o tecto estava arranjado. Não havia qualquer marca do buraco do óculo na parede e já nem existia nenhuma estante ali. Deu-me vontade de chorar de novo, a minha vida, a minha roupa, os presentes que guardei, as minhas coisinhas, o meu computador... puff! Tinha desaparecido tudo no ar. Não consegui evitar um tom alarmado e tremido quando perguntei:

- Miguel, o que é que se passa aqui? Eu estou a ficar assustada a sério!
- Isto não está com bom aspecto não... vamos lá acima!
- Acima? Onde?
- Ao apartamento acima do teu!
- Mas não existe... é o sótão ou a casa das arrumações, como queiras chamar-lhe.

Ele ignorou-me completamente e subiu as escadas que davam acesso ao piso de cima sem pensar que eu não conseguia subir um degrau sequer e que nem devia estar ali de pé. Resignada, deitei-me no meu novo sofá enquanto esperava por ele. O Miguel apareceu muito pouco tempo depois, mas nem pediu desculpa por me ter deixado sozinha.

- Então, o que é que encontraste?
- Nada, só pó e as coisas do costume.
- Eu disse-te!...
- Vamos lá tratar de ti.

2 comentários:

  1. Excepcional. Estás a conseguir prender-me, e olha que não é fácil!! :)

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  2. Espero que o resto da história continue assim :)

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