sábado, maio 29, 2010

XVIII: De Volta ao Hospital

Abri os olhos com algum receio que tivesse acordado no inferno, mas o cheiro a desinfectante sugeriu-me o contrário. Parecia que estava viva. A minha cabeça doía-me tanto que fiquei a pensar se não era mais fácil estar morta. Pensado bem, não era a cabeça, era mesmo a cara. O maxilar!! O estupor tinha-me dado um murro em cheio, provavelmente tinha-me partido o maxilar. Guardei alguma esperança que ele tivesse tido uma morte lenta, ainda que soubesse que isso era impossível.

- Olá, olá!...
- Miguel?
- Aaah, a bela adormecida está de volta! Rapazes, podem entrar!

Os meus olhos começaram a habituar-se à claridade e vi o Miguel com a cara bastante inchada, mas com o sorriso certo na cara. Voltei-me para a esquerda e vi uns tantos homens, entre eles o Xavier. Alguns traziam o braço ao peito e outras feridas por sarar, mas pareceu-me que estavam lá todos. Cada um deles trazia uma flor e isso deu-me vontade de rir.

- Miguel, o que é isto? - Perguntei alegremente.
- Eles quiseram agradecer-te teres salvo a operação toda. E, já agora, saber onde é que escondeste os extractos bancários porque a única coisa que encontrámos foi o envelope no chão da suite!
- O que tinha o envelope? - Ele riu-se.
- Nunca conheci ninguém como tu! A tua curiosidade tem que vir primeiro que o resto! - Fiz-lhe uma careta, ou o que eu achei que seria uma careta com o maxilar em obras. - Bem, tu descobriste uma amostra de um carregamento de diamantes que seriam leiloados na Suíça, provenientes de África, claro. O dinheiro do tráfico de droga era usado para financiar ilegalmente os garimpeiros africanos. O resto dos papéis explicava as características do carregamento de diamantes. Mas faltam uns papéis para provar isto, embora não haja qualquer dúvida da minha parte sobre o que se passa.
- Que confusão! Se calhar fizeste bem eu não ter-me posto ao corrente do que se passava realmente, acho mesmo que foi a minha ignorância que me manteve viva! Os papéis estão colados no fundo da secretária, entre a primeira e segunda gavetas da secretária... com pensos rápidos.

O Miguel fez sinal a um dos poucos homens que ali estava sem qualquer tipo de ferimento e ele saiu do quarto. Em direcção ao hotel, suponho. Os restantes entregaram-me as flores um a um enquanto diziam que tinha sido um prazer trabalhar comigo. O Xavier demorou-se algum tempo a pedir-me desculpa pela falta de fé que tinha em mim quando tudo começou, mas acho que a desculpa era entendida para o Miguel. Por fim, saíram todos do quarto e fiquei só eu e o Miguel.

- Sabes, eu acho que eles ficaram realmente contentes por trabalhar com uma mulher... que usava um fato bem justinho!
- Eu não acredito que estamos sozinhos e isso é a primeira coisa que me dizes! Eu vou queimar aquele fato!
- Nem penses, já disse às enfermeiras para terem muito cuidado com ele.
- Achas mesmo? Nunca mais na vida vou usar aquilo! Quero a minha vida de seca de volta.
- Nem o vestes para mim um dia destes?... - Revirei os olhos.
- Miguel, há uma coisa que eu ainda não percebi.
- Essa cabeça não pára? Nem sei como não te custa falar com o maxilar assim!
- Custa um bocadinho, mas eu tenho mesmo que perguntar: como é que tu foste parar à minha cama naquele dia? Ou melhor, como é que eu apareci no meio desta confusão toda?
- Estava com esperança que te tivesses esquecido dessa parte. A verdade é que eu também não sei bem o que se passou, embora tenha uma teoria...
- Força, eu quero ouvi-la!
- Bem, como tenho este trabalho errr.. peculiar, somos todos objecto de testes psiquiátricos rigorosos.
- É curioso saber isso, sempre achei que todos os "espiões" tinham dupla personalidade.
- Mas tu dizes cada coisa?!... Bem, e uma parte desses testes é saber que tipo de relações pessoais temos, já que existe sempre a hipótese de colocar alguém que gostamos em perigo e isso servir como forma de chantagem emocional.
- Entendo, mas como é que eu apareço?...
- Foste a única mulher que eu alguma vez referi... - Ele deixou de olhar para mim e começou a fitar o chão. - Sempre foste a única mulher com quem eu realmente me preocupei, mesmo após estes anos todos. Eu sabia onde vivias, e sabia que tu não me querias ver mas vivia mais descansado por ver-te bem de vez em quando.
- Tu andavas a espiar-me?!
- Não! Era só para ter a certeza que estavas bem e que não precisavas de nada.
- Isso é um bocadinho doentio, sabes? - Não consegui evitar um sorriso do tamanho do mundo que poderia ter danificado o meu maxilar para sempre.
- Agora a parte que eu não sei explicar é como é que essa informação foi parar às mãos erradas. Fuga de informação interna é uma coisa grave. Também não faço ideia de como fui raptado porque a droga que me deram apagou completamente a minha memória. Agora o que sei é que a ideia era mostrar-me que eles sabiam coisas sobre mim e que era melhor eu jogar do lado deles para que tu estivesses em segurança.
- E observarem-te a partir da minha casa para saber o que pensavas fazer, não?
- Sim, suponho que me poderiam "monitorizar" por assim dizer. Claro está que eles não esperavam que tu partisses a estante com a tua cabeça e os expusesses logo ali!
- Imagino que isso baralhou-lhes um pouco os planos! - E ri-me ligeiramente.
- Sem dúvida e isso precipitou-os a enviarem alguém ao hospital para assustar-me ainda mais... coisa que conseguiram, enfim.
- Bem, o que interessa é que agora está tudo bem!
- Sem dúvida. - Ele sorriu enquanto afastava uns cabelos da minha testa. - Agora descansa que tens muito tempo para fazer o teu inquérito infindável!
- Não vais fugir para outro país ou assim agora que se sabe que eu sou o teu calcanhar de Aquiles? - Adorei a forma como aquela frase soou, eu era importante para ele!
- Estava a pensar numa forma de dar a volta a essa situação.
- Vais mandar outra pessoa vigiar-me?
- Não, estava a pensar em trazer-te mais por perto.
- Como assim?
- Não achas que é altura de eu poder ver-te todos os dias?
- Se calhar... eu já nem tenho casa para voltar!
- Só por isso?!...
- Bem, eu confesso que também sinto saudades de usar o teu roupão! E sei lá, de encontros imediatos contigo na casa-de-banho! – E pisquei-lhe o olho.

Ele riu-se e deu-me um beijo na testa. Afinal ia começar outra aventura para mim!



(A pedido de algumas famílias, o texto completo pode ser encontrado aqui)

3 comentários:

  1. Boa decisão essa de publicar o texto todo... Achas que vai ficar mais pequeno que a tua tese de doutoramento?

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  2. Muito bom! Ainda não acabou, espero!

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  3. Balhau: não posso ficar com os louros porque a ideia não foi minha, mas ainda bem que assentou bem! Hehe

    Goth: Pois terminou sim! E eu a achar que ao fim de tanto post ia sair um "finalmente"?? Hehe

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