segunda-feira, maio 24, 2010

XIII: O Dia D, parte III

Tirei o arnês, deitei-me no chão e aproximei-me do vidro da janela, sempre com muito cuidado. Os estores estavam levantados e consegui vislumbrar dois ou três homens em redor de qualquer coisa que me parecia um ecrã. O meu auricular ordenou-me para esperar e eu assim o fiz, embora me custasse imenso parar agora. As minhas pernas e braços iam tornar-me a vida impossível assim que o nível de adrenalina baixasse. Fui espreitando de vez em quando e abafei um grito quando vi entrar o Miguel arrastado por dois homens que eu nunca tinha visto antes. Se isto era parte do plano, ninguém me tinha dito nada! Era suposto receber o que quer que o Miguel deixasse perto da janela e colocar na pomba que estava ali comigo na varanda. A parte do plano que sempre me tinha deixado algumas reservas era a fuga, mas não era suposto correr mal antes de eu começar a tentar fugir!... A minha adrenalina disparou de novo e o meu coração quis sair do meu peito à força quando vi que tinham batido no Miguel com uma arma. Fechei os olhos e lutei contra uma lagrimazinha quando ouvi no auricular "Sai daí! Plano abortado!". Mas ia sair para onde?...

Talvez por não ter grande coisa a perder, talvez por ser a única pessoa naquele assalto que não fazia ideia do que se passava realmente, decidi ficar. Tirei o meu auricular e coloquei-o na pomba que prontamente voou dali. Eu não ia revelar nada caso fosse apanhada (porque não sabia nada) e também não era o auricular que ia trair ninguém do meu lado. Por uma vez, fiquei contente pela forma como o Miguel nunca respondia satisfatoriamente a nenhuma das minhas perguntas sobre aquele caso. Deitei-me no chão da varanda e tentei aproximar-me da janela. Estava alguém a guardá-la, mas estava de costas por isso não me causou grande receio. Infelizmente não conseguia ver grande coisa dali, embora conseguisse ter uma vista mais ampla do quarto... da suite, melhor dizendo. Eu conseguia ouvir algumas coisas, mas mesmo que ouvisse tudo, não entendia a língua em que estavam a falar. Fui para a abordagem mais óbvia que me surgiu: droga. Estava ali a fazer-se um negócio qualquer e iam trocar qualquer coisa. Ora se estamos em Portugal com esta costa toda, o que chega melhor vindo do estrangeiro e encontra aqui uma auto-estrada para a Europa é mesmo droga.

O que é que eu sabia de droga? Nada. O que é que eu sabia dos traficantes e de organizações criminosas? Nada. Dada a minha elevada ignorância no caso, resolvi apostar no "ignorância é uma bênção" e esperei para ver o que se ia passar de seguida. Houve uma troca de pastas, documentos e mais umas tantas coisas e passado algum tempo (demasiado), saíram todos, apagaram a luz e levaram o Miguel com eles. Desejei com todas as minhas forças que ninguém estivesse a pensar matá-lo nos próximos minutos. Estava tão nervosa que se ouvisse um tiro naquele estado, acho que me atirava da varanda! Tentei acalmar-me e tactear o sítio onde a porta envidraçada corria. Surpreendentemente estava aberta, teria sido o Miguel antes de ser apanhado?... Abri com muito cuidado para não fazer barulho e entrei, sempre encostada ao chão, sempre a rastejar. Não fazia ideia se isso era normal, mas eu não tinha força suficiente nas pernas para tentar outra coisa. Cheguei perto da zona onde se tinha realizado a "troca comercial" e espreitei para ver se tinham deixado alguma coisa na mesa. Nada. Fui até à secretária (aqui já me consegui colocar de gatas) e tentei perceber o que se passava por ali. Não tinha grande luz sem ser a do relógio, mas vi alguns papéis que talvez interessassem. Pareciam-me extractos de conta de vários bancos, mas não tinha a certeza. Por outro lado, tinha a certeza que havia relação com a Suíça. Bancos e Suíça eram como chocolate preta e menta. Não sabia bem o que fazer com aquela informação toda, mas decidi guardá-la na mesma.

Continuei a vasculhar a sala, já mais habituada à falta de luz, até ouvir uns passos na direcção da porta de entrada. Entrei em pânico, onde é que eu me podia esconder?? A primeira coisa que me ocorreu foi esconder-me atrás dos cortinados, mas era demasiado óbvio... Então reparei que a porta do quarto estava aberta e voei para debaixo da cama. Ouvi-os entrar, ligar a luz e discutir qualquer coisa que não entendi. Eu não conseguia ver nada por causa das franjas da colcha da cama, mas percebi logo quando eles deram pela falta dos papéis porque ficaram extremamente agitados, começaram a falar mais alto e ouvi imensos passos de mais gente a entrar. Bem, pelo menos tinha acertado e "roubado" qualquer coisa importante, fosse lá o que aquilo fosse. Pareceu-me que mais gente tinha entrado na suite, ouvi armários e gavetas a abrir. Depois pareceu-me que estavam mesmo a tirar gavetas, uma grande confusão. Eu estava imóvel debaixo da cama, tentava tomar atenção ao que se passava mas não conseguia parar de pensar se o Miguel ainda estaria vivo.

As vozes exaltadas deram lugar a um silêncio prolongado que me deixou em alerta. Será que eles já tinham percebido que havia ali mais alguém? Ou se calhar sempre souberam que havia mais alguém... Viriam à minha procura? Deixei-me ficar muito quietinha até que as luzes da sala foram apagadas de novo e não se ouvia vivalma. Eu, para variar, não fazia ideia do que fazer mas parecia-me que continuar escondida debaixo da cama não era grande opção. E se era para sair dali, aquele parecia-me o momento ideal! Sair pela porta estava fora de questão porque aquele corredor estava minado de "seguranças" com toda a certeza. Também não confiava muito em voltar lá para fora porque era impossível que eles não tivessem visto o arnês que eu tinha deixado na varanda. Pensado bem, se eles tivessem encontrado o arnês então sabiam mesmo que havia mesmo mais alguém metido ao barulho!...

Pois bem, a minha prioridade era sair debaixo da cama. Arrastei-me vagarosamente para o lado e levantei-me com cuidado, apesar de não estar a fazer qualquer ruído e de não ver um palmo à frente do nariz. Deixei-me ficar de pé durante uns momentos e resolvi ir para a casa-de-banho. Andei devagarinho para não tropeçar em nada, o que até foi fácil porque o que não faltava era espaço em redor da cama. A casa-de-banho era do tamanho da minha casa toda, mas só vi isso durante os breves segundos em que tive coragem para ligar a luz do relógio. Aproveitei a minha memória fotográfica e revi o aspecto daquela divisão na minha cabeça. Havia de facto uma saída que era bem capaz de ser a única... Respirei fundo, um bocado arreliada com a única solução que tinha encontrado, e convenci-me a mim própria que eu era capaz de passar pela buraco da ventilação sem ficar lá presa. Pelo menos era maior do que a janela do primeiro andar por onde tinha começado a escalada. Lá desisti de pensar noutra saída e antes que viesse alguém, puxei a grelha da ventilação. Provavelmente aquilo deveria ter uns parafusos ou assim, mas já lá alguém tinha estado antes de mim e guardado uns envelopes e uns saquinhos pequenos de plástico. Deixei os saquinhos pequenos de plástico porque achei que continham simplesmente droga e resolvi guardar o envelope como tinha feito anteriormente com os extractos bancários. Como a primeira vez até tinha corrido bem, repeti a técnica.

Depois de ter perdido algum tempo com o envelope, lá subi ao banquinho que estava mesmo a jeito e, para meu espanto, consegui entrar pelo túnel de metal sem grandes problemas. Voltei a colocar a grelha e tentei mover-me com o mínimo barulho possível, o que não era nada fácil. Desejei ardentemente que o túnel não acabasse numa descida de vinte metros ou assim. Fui rastejando, muito lentamente, até à primeira grelha de onde entrava luz. Estava finalmente a perceber que o fato que estava a usar tinha realmente alguma utilidade. Espreitei e vi quatro pessoas entretidas numa cama e embrulhadas nalgumas posições que eu nunca queria ter visto! Aaargh! Fechei os olhos e decidi pensar antes em como as minhas probabilidades de apanhar a doença do legionário tinham aumentado brutalmente. A troca de pensamentos deixou-me feliz. Passei por mais umas tantas grelhas até que vi outra com luz e de onde se ouvia um grande burburinho. Espreitei com cuidado para não fazer nenhum ruído e tive que abafar a minha própria garganta quando vi o Miguel amarrado a uma cadeira. Estava em bastante mau estado, rodeado por dois homens que tinham sangue no nó dos dedos (provavelmente sangue do Miguel), mas o que me interessava é que ele estava vivo!... Pelo menos, por enquanto.

2 comentários:

  1. Isto está a ficar duro! A sorte do Miguel ainda vai ser ela...

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  2. Eu tenho uma componente feminista muito desenvolvida!... ;)

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