sexta-feira, maio 21, 2010

XI: O Dia D, parte I

Acordei na cama sem roupa, mas vi o "meu" roupão de banho pendurado na cadeira. Não tinha sido um sonho! O tempo estava enevoado, mas eu sentia a alma cor-de-laranja: cheia de calor e de vida! Virei-me para dar-lhe os bons dias, mas descobri rapidamente que estava sozinha. As imagens das últimas horas saltaram-me à mente imediatamente. Os sorrisos e até gargalhadas, as pernas, braços e pescoços entrelaçados, o beijo suave com o cuidado carinhoso na minha cicatriz. Lembrei-me dele não me deixar fazer os movimentos todos que eu queria, mas por pura preocupação... O meu coração traidor jorrava sangue de alegria a cada memória mais carinhosa. Abanei a cabeça como a afastar aqueles pensamentos e tentei voltar à realidade: onde é que ele se tinha metido?! Seria possível que o plano já estivesse em acção? Olhei para o relógio de pulso: 10:00. Ainda não tinha começado para mim e tinha cerca de três horas para preparar-me. Provavelmente ele já se encontrava de volta ao mundo de alianças contratadas.

Às 13:00 em ponto foi dado o sinal. Acabei de fechar o fecho da frente do fato que me tinha custado uma boa meia hora a vestir e achei que aquilo ia correr muito mal logo ali. Morria de calor dentro daquela vestimenta completamente negra, que tecido seria aquele? Ainda que me desse toda a mobilidade possível, era como estar permanentemente numa sauna. Peguei numa garrafa de uma bebida qualquer fortificante e saí. Fiquei apreensiva pela milésima vez naquele dia quando vi que o meu "contacto" era alguém vestido de negro como eu, mas do sexo masculino e tinha como meio de transporte uma mota. Uma mota bem grande por sinal, daquelas que provavelmente balançam mais que o alfa pendular. E que andam mais que o TGV. Inspirei fundo e tentei bloquear o meu mais puro terror a motas.

- Sente-se bem? - Falou o condutor com voz abafada pelo capacete.

Eu acenei que sim, mas não me mexi.

- Tem medo de motas? Não se preocupe, eu sou um óptimo condutor!

"E modesto também já vi que és! Agora que sabes que tenho medo vais pôr-te a fazer aquelas manobras parvas e vou acabar estampada numa árvore!.." Luísa, concentra-te!! Estás a começar qualquer coisa de que te podes orgulhar para o resto da tua vida! Estás completamente colada a um fato digno de Hollywood e o sucesso disto tudo depende de ti. Vais mesmo deixar o Miguel ficar mal apenas porque tens medo de motas?!". Fiz das tripas coração enquanto insultava a minha própria consciência e subi para a mota. Tentei agarrar o condutor o mais suavemente possível, mas tenho a certeza que deixei a caixa torácica dele irremediavelmente arruinada assim que a mota arrancou. Fiz a viagem toda de olhos fechados, enquanto imaginava que estava numa atracção da feira popular e que aquilo ia acabar em breve.

Assim que a mota parou, eu saltei fora. Claro que foi uma péssima ideia e dei por mim sentada na primeira berma que encontrei com a cabeça entre as pernas, a ver se as tonturas passavam. Deixei-me estar de olhos fechados para não tornar a minha pose ainda mais ridícula. Agora tinha a certeza que o Miguel tinha um plano B, C ou D porque este contacto decerto já o havia informado da minha actual boa disposição física. A mota lá se foi e eu até fiquei contente com o cheiro a gasóleo que ficou no ar, só porque isso queria dizer que estava sozinha e que me podia dar ao luxo de ter um ataque de pânico sem testemunhas oculares. Infelizmente o meu corpo não me quis dar essa alegria e a visão voltou normalizada, assim como o ritmo cardíaco e o sistema digestivo. Só o maldito calor é que não me dava tréguas. Resolvi recolher-me à sombra e abrir um pouco o fecho do fato como tentativa desesperada de ventilação. Já à sombra, olhei em redor para avaliar as traseiras do hotel, não que houvesse alguma coisa que eu achasse estranha ou necessitasse da minha avaliação pormenorizada. Não fazia a mais pálida ideia de quem tinha planeado aquilo, mas cá estava eu no local, à hora e dia "combinados". Esses dados estavam bem patentes e até extremamente explícitos nas sms que tinha recebido no telemóvel na semana anterior; agora que o Miguel me tinha explicado como decifrar o código, claro. Olhei para o arranha-céus que era o hotel e senti o meu estômago às voltas. Nunca tive medo de alturas, mas aquele era um bom dia para desenvolver acrofobia. Ou mesmo qualquer palermice aguda que me impedisse de tentar fazer o que eu pensava fazer, como racionalidade e bom senso. A porta das traseiras abriu-se e eu esperei pelo segundo sinal que não tardou. Lancei-me para a janela em frente a mim e, cuidadosamente, deixei-me deslizar para dentro do hotel.

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